segunda-feira, 6 de julho de 2009


Aparição do beato Antônio Conselheiro

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

O Diário Oficial do Estado, publica pela primeira vez em 12 de janeiro de 1896, notícia sobre o beato Antônio Conselheiro, texto transcrito de um jornal baiano. “Lê-se no Correio de Notícias da Bahia, de certa escrita por uma autoridade os seguintes tópicos, referentes ao célebre fanático e o seu séquito que dia a dia avoluma-se: Aqui estou em estado de sítio decretado pelo conselheiro e sua gente. Assisti no dia 4 a entrada triunfal deste monarca e de seu estado maior, composto de mais de 400 clavinoteiros e de um enorme séquito armado de cacetes e facas. Como tinha de vir até aqui não mudei de resolução. Aqui estando, o coronel F. Veio prevenir-me e o V. Escreveu ao ª para não ir a vila, pois a gente santa andava procurando-me. O conselheiro tem pregado contra as autoridades, os formados e o governo. Botaram os soldados para fora, arrombaram a cadeia e soltaram os presos. Por bem ou mal, com ameaças e armados, até na ruína obrigam o povo a dar-lhes dinheiro. É uma anarquia, um horror!
Eles pretendem aqui ficar por todo este mês.”

Outro artigo intitulado, Antônio Conselheiro, publicado no Diário Oficial de 26 de novembro de 1896, transcrito do Jornal de Notícias, da Bahia trás as últimas notícias vindas do interior baiano sobre o Conselheiro. Circulando no Juazeiro que aquela cidade se achava ameaçada de uma invasão por parte de Antônio Conselheiro e do seu numeroso séqüito, em sua maioria composto de bandidos e criminosos, dirigiu o juiz de direito da comarca ao sr. dr. Governador do estado um telegrama, ao qual respondeu prontamente a exa., nestes termos:

“Inconveniente governo mover força por menor boatos.
Mandai postar pessoas lugares convenientes para noticiarem a aproximação ou partida do grupo. Logo que tiverdes notícias avisai.
Irá imediatamente força em expresso. Tudo preparado: - Luiz Viana, governador.”

A propósito desse telegrama pondera a cidade de Juazeiro:
“Não se trata de meros boatos corporificados na leveza de espíritos doentios, inclinados à adulteração dos fatos, para transmitirem notícias alarmantes de prejudicial sensação.
Cavalheiro de reconhecida probidade e sensatez, digno da maior confiança, tendo testemunhado emissários de Antônio Conselheiro, destacados para vário pontos circunvizinhos de Canudos,reunindo seus adeptos para, armados, se incorporarem ao grosso esquadrão que tem de acompanhar o santo a esta cidade, em busca de uma taboado para igreja há meses arteiramente encomendado a distinto negociante de nossa praça, informou-se hábil minuciosa mente de todas os planos concebidos e incontinente despachou um positivo com carta dirigida a um seu amigo desta cidade, prevenindo-o do que ocorreria por aquelas regiões do fanatismo irmanado com o crime."

A figura controvertida de Antônio Conselheiro é vista como sendo alto, magro, idoso de cabelos e barbas respeitáveis,vestido num camisão azulado sob um corrião preto, alpercatas de alça, portando um cajado à mão e um surrão de couro às costas onde levava pena, tinta, papel e os livros inseparáveis para os sermões “Missão Abreviada” e “Horas Marianas”. Comia pouco, principalmente de carne e só dormia em esteira ou na falta o chão. O conselheiro acolhia as pobres vítimas da barbaridade policial, política e do fisco, e estas pessoas ele orienta e protege integrando ao grupo de fiéis. Durval de Aguiar, que esteve em Monte Santo no ano de 1882, quando fazia o Relatório das Províncias do Estado, (Descrições práticas da província da Bahia, 2a. ed. 1979) descreve o conselheiro como sendo um “sujeito baixo, moreno acaboclado, de barbas e cabelos pretos e crescidos, vestido de camisolão azul, morando sozinho em uma desmobilhada casa, onde se apinhavam as beatas e afluíam os presentes, com os quais se alimentava.”

Passando por Itabaiana em 1874, o conselheiro chega a Bahia pelo norte, e se hospeda por alguns dias nas proximidades de Monte Santo em 1875, na fazenda “Tanque da Nação”, propriedade do capitão José Higino, e de lá seguiu para Natuba e Mocambo, onde promete ao povo a construção de uma capela. Dando prosseguimento a missão chega a Vila Rica do Bom Jesus, arraial fundado por ele, prega novos sermões e pede autorização ao vigário para construir uma capela. Terminada a obra que se chamou Bom Jesus, uma "das melhores de suas obras e de grande beleza desde as partes laterais à nave, sobre um piso de muito bom gosto". As notícias em torno de suas obras se espalham pelos quatro cantos dos sertões, mesmo sabendo das dificuldades no transporte de pedras, madeiras, etc. quase sempre transportados nas mãos e dorso do povo da companhia, devido ao difícil acesso a animais de carga, não importava tais dificuldades, todos desejavam uma capela em seu povoado, e os convites chegavam aos montes para o conselheiro. Para a realização destas construções, a população local dava alimentação aos fiéis, fornecia ferramentas e coletava dinheiro para compra de materiais.

Quando se encontrava em 1876, numa localidade denominada de Missão da Saúde na Vila de Itapicuru de Cima, pregando seus sermões, Antônio Conselheiro é preso, sendo acusado de feroz criminoso por ter assassinado mãe e esposa. Seus companheiros ficaram irritados com tal acontecimento e tentaram defendê-lo, mas este os acalmou e prometeu voltar três meses depois, dizem até que ele voltou no mês dia e hora prometida. Remetido para à capital, passando por Alagoinhas percurso este feito à pé, sofreu agressões dos policiais e de pessoas dos lugares por onde passava.
Chegando em Salvador é recebido com desprezo, como um louco e se postava calma, sempre de cabeça baixa perante à multidão, quando este desfilou pelas ruas, a 5 de julho juntamente com seu seguidor o beato Paulo José da Rosa, José Manuel, vagabundo e ladrão e Estevam acusado de ser escravos fugitivo de uma fazenda do Estado de Sergipe, sendo que todos encontravam-se na cadeia desta vila.
Diante das autoridades, o conselheiro nega à autoria dos crimes, e por decisão do juiz, recambia o prisioneiro para o Ceará a fim de averiguações das acusações, encaminhando-o através de ofício do Chefe de Polícia, Delegado em exercício Francisco Pereira de Assunção:
"Faço apresentar a V. S. o indivíduo, que se diz chamar Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido por Antônio Conselheiro, que suspeito ser algum criminoso dessa província, que andam foragidos.
Esse indivíduo apareceu ultimamente no lugar denominado Missão da Saúde, em Itapicuru, e aí, entre gente ignorante, disse-se enviado de Cristo, e começou a pregar, levando a superstição de tal gente ao ponto de um fanatismo perigoso.

Em suas prédicas plantara o desrespeito ao vigário daquela freguesia e cercado de uma multidão de adeptos, começara a desassossegar a tranquilidade da população."

Corria o boato de como Antônio vicente Mendes Maciel havia executado os crimes: era conhecido de muitos do lugarejo que sua mãe não gostava da nora, por maldade e para provocar ciúmes disse ao filho que sua esposa tinha outro homem e induzira a fingir uma viagem e que retornasse à noite que o encontraria em sua casa. Maciel fez justamente como havia dito sua mãe, e ao ver um vulto se aproximou de sua janela e disparou o primeiro tiro, acertando o visitante, em seguida sua própria mulher. Voltando depois para ver a primeira vítima que deixara caída na janela, viu que era sua mãe vestida de homem.

Antônio Conselheiro chegou ao ceará num estado lastimoso, cabeçaraspada, maltrapilho e com um aspecto cadavérico. As acusações feitas não têm fundamentos, o fato é que sua mãe havia morrido quando este tinha quatro anos e sua mulher ainda vivia no Ceará, morrendo tempo depois abandonada esmolando pelas ruas de Sobral. a 15 de julho, o Chefe de Polícia do Ceará, comunica ao juiz de Direito de Quixeramobim, Alferes Alves Mateus, a ida de Antônio Maciel para esta localidade, por suspeita de crimes praticados nesta comarca. Após alguns dias detido, o juiz de Direito informou ao Chefe de Polícia do Estado sobre o acusado e este respondeu ao Chefe de Polícia da Bahia, dizendo "que não poderá conservar preso o Conselheiro, por não se achar este ali processado, nem ter cometido crime algum". Posto em liberdade a 1. de agosto, passa alguns dias no Boqueirão em casa de uma parente e retornou a Bahia onde era esperado pelos fiéis.

Nesta época Antônio Conselheiro já era bastante conhecido, sua humilde fama é registrada em 1877 na famosa "Folhinha Laemmert" da capital Imperial. "Apareceu no sertão do norte um indivíduo, que se diz chamar Antônio Conselheiro, e que exerce grande influência no espírito das classes populares..."
Durante o ano de 1880, o "povo da companhia" construíram várias obras: Arauá, Giró, Entre Rios, Itabaiana e Campos, mais tarde na Vila de Nossa Senhora dos Anjos construiu uma igreja, em Pedrão ergue uma capela na cidade de Alagoinhas, edificou mais uma igreja em Inhambupe, recuperou a matriz. Dizem que ele recebeu uma missão de construir um determinado número de templos, conseguiu mais de trinta entre Bahia e Sergipe, conforme prometera ao povo do sertão. Percorreu todo ele por 20 anos, não ficou cidade, vila ou lugarejo que não tenha passado, edificando templos a cristo e cemitérios aos mortos.

Inúmeras foram as calúnias atribuídas ao Conselheiro, tanto da parte de autoridades civis como religiosa. Após receber várias queixas da parte de alguns padres, o arcebispo Primaz da Bahia, D. Luiz Antônio dos Santos, expediu circular a 16 de fevereiro de 1882 ao clero brasileiro, a fim de não tolerar as prédicas do Conselheiro e que também evitasse sua ação entre o povo: "Chegando ao nosso conhecimento, que pelas freguesias do centro deste arcebispado, anda um indivíduo denominado Antônio Conselheiro, pregando ao povo, que se reúne para ouví-lo doutrinas supersticiosas e uma moral excessivamente rígida com que está perturbando as consciências e enfraquecendo, não pouco, a autoridade dos párocos destes lugares, ordenamos a V. Rvma., que não consinta em sua freguesia semelhante abuso, fazendo saber aos paroquianos que lhes proibimos absolutamente, de se reunirem para ouvir tal pregação, visto como, competindo na igreja católica, somente aos ministros da religião, a missão santa de doutrinar os povos, um secular, quem quer que ele seja, ainda quando muito instruído e virtuoso, não tem autoridade para exercê-lo."
No trajeto de sua viagem à Bahia, a pedido de coronéis, ele prometeu em alguns lugares voltar para construir igrejas e tais promessas foram cobradas durante mais de dez anos. Em 1884, parte de Natuba com a companhia destinando-se a Chorrochó, que chega no ano seguinte, passando por Tucano onde recupera a igreja local até chegar a Piquiriçá. Quando se encontrava em Natuba solicitou ele ao vigário local consentimento para pregar sermão na igreja, mas o padre negou-lhe. Ele insistiu na permissão em realizar a via Sacra, foi também negada. Neste mesmo lugarejo, na ausência do vigário Antônio Conselheiro iniciou a reconstrução da igreja local que se encontrava em péssimas condições. O padre ao tomar conhecimento ordenou a suspensão das obras, alegando desrespeito por não ter sido consultado. Não sendo possível a realização de mais uma obra, Antônio Conselheiro partiu. Anos depois este mesmo vigário mandou chamá-lo para que fosse continuada as obras, em virtude da igreja encontrar-se na mais completa ruína.

Chegando em Chorrochó, o Conselheiro era espera. Descansaram da longa caminhada e no dia seguinte iniciaram os trabalhos de construção da igreja, que seria em louvor a São João,padroeiro da cidade. A obra levou mais de dois anos, o agradecimento e à acolhida do povo foi tão grande que quando ele partiu muito choraram. As perseguições ao Conselheiro continuam, não pára e a 10 de novembro de 1886, o delegado de polícia de Itapicuru Luiz Gonzaga de Macedo, remete um longo ofício ao chefe de Polícia Domingos Rodrigues Guimarães, pedindo-lhe ao governo do Estado que desce imediatamente a providência cabível sobre o Conselheiro, já que a intervenção da igreja foi inútil.

Atemorizando as autoridades superiores da capital, ele diz: " ILMO. SR. - É de meu dever levar ao conhecimento de V.S. que, no arraial do Bom Jesus, existe uma sucia de fanáticos e malvados que põem em perigo a tranqüilidade pública. Há 12 anos, pouco mais ou menos com pequenas interrupções, fez sua residência neste termo Antônio Vicente Mendes Maciel, vulgo Antônio Conselheiro, que, por suas prédicas, tem abusado da credulidade dos ignorantes, arrastando-os, ao fanatismo". Quando este ofício foi remetido, Antônio Conselheiro encontrava-se construindo uma capela na Vila. Reconhecia o delegado a importância da mesma para a localidade, mas temia haver desavença entre o povo da companhia e o vigário de Inhambupe, e assassinato deste último, dizendo atemorizado: "Faz medo aos transeuntes passarem por ali, vendo aqueles malvados munidos de cacetes, facas, facões, clavinotes, e ai daquele que for suspeito de ser infenso a Antônio Conselheiro!"

Para desapontamento do delegado, não foi enviada nenhuma força especial de Salvador, como também não houve qualquer prática de violência por parte do povo da companhia de Jesus. Em meados do ano seguinte, a 11 de junho de 1887, mais uma vez o arcebispo da Bahia pede ao governador João Capistrano Bandeira de Melo, solicitando intervenção contra o "indivíduo Antônio Vicente Mendes Maciel que pregando doutrinas subversivas, fazia um grande mal à religião e ao estado, distraindo o povo de suas obrigações e arrastando-o após si, procurando convencer de que era Espírito-Santo,...". Sem provas a atos criminosos, o governador informa ao ministro do Império Barão de Mamoré o fato, e solicita sua intervenção no hospital de alienados do Rio de Janeiro, mas este também não encontrou fatos concretos para à perseguição, e respondeu-lhe apenas dizendo que não havia vagas.

Deixando Chorrochó o povo da companhia, segue seu líder com destino a Bom Conselho mas passam em Feira de Pau e erguem a capela de São José, onde trabalharam seis meses, seguindo depois para Buracos, permanecendo por alguns dias na espera da autorização do padre de Bom Conselho, conseguida depois de muitos pedidos do povo. O início da construção de mais um templo foi em 1893, no mesmo ano em que o governo publica os editais dos impostos, autorizando aos municípios a cobrança de impostos, que eram afixadas em locais públicos e nas portas da municipalidade para conhecimento de todos. Nesta cidade ocorreu o primeiro protesto público dos "conselheiristas" contra a República, em pleno dia de feira onde se encontrava além da população local, as da redondezas.
O Conselheiro que já havia partido para Natuba com grande número de fiéis, ainda permaneceu boa parte na cidade que arrumavam as bagagens para partirem, quando souberam dos editais. Em protesto arrancaram as tabuletas, queimando-as em seguida. Este incidente fez com que o Conselheiro ganhasse simpatia dos pequenos proprietários e também novas investidas do governo. O fato ocorreu por dois motivos: 1. A República impôs aos sertanejos encargos fiscais mais elevados que no tempo do Império, e tais impostos eram originários dela (República) e não de Deus. 2. Durante o Império não havia impostos e sim dízima, ou seja obrigações para com Deus. Apesar de não impedir o surgimento de novos impostos, o Conselheiro foi um fervoroso combatente, segundo o Chefe de Polícia do Estado na época, Aristides Milton, diz que ele impedia a mão armada a cobrança de impostos.
Após deixarem a cidade, é reunido um destacamento da Polícia Militar constando de aproximadamente 40 homens, comandado pelo tenente Virgílio de Almeida, formado por vários destacamentos, que partiram à noite do mesmo dia em perseguição ao Conselheiro. Exausto após três dias de viagem, Antônio Conselheiro resolve passar à noite numa fazenda no lugar denominado Masseté, próximo a Tucano, quando são surpreendidos pelos policiais que abrem fogo contra a multidão indefesa, deixando vários feridos e sete mortos, debandando em seguida. Indignado, o Conselheiro manda que saíssem a procura dos assassinos que são alcançados em Coité, foram mortos mais da metade, a foice, facão e pau. Este é o primeiro atentado armado contra o Conselheiro e sua gente. Após o combate com os policiais, apossaram-se das armas, mas eram poucas, e prevendo novos atentados o Conselheiro procurou se fortificar, reuniu o pessoal e rumaram ao Cumbre e de lá para Canudos. Sem perda de tempo, o governador da Capital José Gonçalves da Cunha e Silva, envia para a captura do "Fanático" oitenta praças chefiado pelo coronel José Leitão, mas estes não passaram de Serrinha de onde recuaram temerosos à enfrentar o desconhecido sertão.





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