segunda-feira, 6 de julho de 2009

O Brinquedo como instrumento de Educação e Cultura

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. renatamaria.literatura@gmail.com

“uma coisa devemos ter sempre em mente: jamais são os adultos que executam a correção mais eficaz dos brinquedos – sejam eles pedagógicos, fabricantes ou literatos – mas as próprias crianças, durante as brincadeiras.”
Walter Benjamin, (1892-1940)

“Quando eu brincava de barra, no Luxemburgo, meu maior prazer não era provocar o adversário e oferecer-me temerariamente a seu direito de presa; era libertar os prisioneiros – o que tinha por efeito repor todas as partidas em circulação: o jogo recomeçava da estaca zero.

Roland Barthes, (1915-1980)

Esse artigo trata de um assunto que tem a ver com a infância de todos nós. Quando criança construir alguns brinquedos, lembro-me de, aos 8 anos aproximadamente, ter criado carros de bois, feitos de cabaça e bambu, caminhões de lata de óleo Salada do fabricante Sanbra, na época retangular. Por várias vezes fui com meu irmão Edmilson até as oficinas dos Jornais Diário de Notícias e Jornal da Bahia, que ficavam próximos a nossa residência, buscar os carretéis de madeira (em substituição as rolimãs) das bobinas de papel para fazermos as patinetes. Mais tarde na oficina do velho Yoyô, trabalhando com serra tico-tico fiz caminhões modelo FNM, com bastantes detalhes, inclusive utilizando feixe de mola e para brisa de mica de avião. Na última fase da infância passei a receber dos padrinhos brinquedos industrializados, primeiramente do fabricante Trol (carro de bombeiro) depois da Estrela (Banco Imobiliário, peteca e tênis de praia).

Cultura
Conjunto de fenômenos materiais e ideológicos que caracterizam um grupo ético ou uma nação, uma civilização em oposição a outro grupo ou outra nação ou como disse o sociólogo Florestan Fernandes “é aquele estado de coisas que quando definido, desaparece.” O termo indústria cultural foi empregado pela primeira vez no livro “Dialética do Iluminismo”, publicado em Amsterdan, por Horkheimer e Adorno, onde trataram do problema da cultura de massa diz respeito a uma teoria social do conhecimento. De acordo com seus pressupostos, tudo se transforma em artigo de consumo. No mercado todas as teorias se equivalem. A partir do exposto, podemos compreender a conhecida crítica à indústria cultural feita pelos frankfrutianos.
Segundo Adorno em seu artigo intitulado “A indústria cultural” resultado de conferências radiofônicas proferidas em 1962 , na Alemanha diz que “é a integração deliberada, a partir do alto, de seus conhecimentos. Ela força a união dos domínios, separados há milênios, da arte superior e da arte inferior. Com prejuízo para ambos. A arte superior se vê frustrada de sua seriedade e pela especulação sobre o efeito; a inferior perde, através de sua domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e rude, que lhe era interessante enquanto o controle social não era total. Na medida em que nesse processo a indústria cultural inegavelmente especula sobre o estado de consciência e inconsciência de milhões de pessoas às quais ela se dirige, as massas não são, então, o fator primeiro, mas um elemento secundário, um elemento de calculo; acessório da maquinaria.”
Portanto cultura é pensamento e reflexão. E o direito a cultura é o direito de acesso aos bens culturais, e a compreensão desses bens é o ponto de partida para a transformação das consciências. Adorno disse que “os deserdados da cultura são os verdadeiros herdeiros da cultura.”
Origens
O brinquedo tem sido estudado por psicólogos, folcloristas, pedagogo e, só mais recentemente, pelos sociólogos. Para uma compreensão mais global do brinquedo na cultura infantil, é importante a leitura do livro do saúdo pesador brasileiro, Florestan Fernandes (1920-1995), “Folclore e Mudança Social na Cidade de São Paulo (1979) que mostra como se constitui a cultura infantil, incorporando brinquedos e brincadeiras, do passado e do presente num processo singular de educação da criança entre as crianças e pelas crianças. Florestan, considerado fundador da sociologia crítica no Brasil, renovando essa ciência, estudou inicialmente com Fernando Azevedo e Roger Bastide. Como professor, foi o mestre da sociologia paulista, formando pesquisadores como Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni, Eunice R. Durham, Luis Pereira e muitos outros. Tentando conciliar a dialética marxista com os métodos funcionalistas e weberianos, construir uma obra que expressa uma interpretação original e sob muitos aspectos controvertidos – da sociedade brasileira.
O grande filósofo Walter Benjamin numa coletânea de artigos (1913-1932) intitulada “Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação”, publicada no Brasil em 1984, trás sobre o brinquedo quatro ensaios específicos (Velhos brinquedos, História cultural do brinquedo, Brinquedos e jogos e Brinquedos russos). São textos de uma clareza estonteante, com que o autor desenvolve sua rica reflexão acerca dos mistérios do universo infantil: “Originalmente os brinquedos de todos os povos descendem da indústria doméstica. A primitiva riqueza de formas do povo baixo, dos camponeses e artesões, estabelece até os dias de hoje uma base segura para o desenvolvimento do brinquedo infantil. Não há nada de extraordinário nisso. O espírito do qual descendem os produtos, o processo total de sua produção e não apenas seu resultado está sempre presente para a criança no brinquedo, é natural que ela compreenda muito melhor um objeto produzido por técnicas primitivas do que um outro que se origina de um método industrial complicada.”
Educação e Cultura
Levado pela educadora Nara Gil, velha companheira de lutas baianas, fui convidado em 2005 a visitar no Rio de Janeiro o Centro Cultural do Banco do Brasil, que apresentava uma mostra sobre brinquedos variados, que levavam adultos e crianças a conhecer como se divertia os pequenos de várias gerações, desde a década de 20. Além da história dos brinquedos, a história documentada e as pessoas podiam ter acesso à história pessoal de cada um. A mostra também possibilitou aos visitantes como eu, que conhecia pouco esse universo, acompanhar a evolução da indústria de brinquedos, viajando no tempo da memória. Acho que a história dos brinquedos acaba sendo o reflexo da própria história da humanidade.
O próprio brinquedo “objeto” ele traz em si inscritos vários aspectos e a descoberta de novos materiais faz com que o brinquedo ganhe novas possibilidades. Aspectos não discutidos na sociedade como um todo, também não aparece representado nos brinquedos. Por exemplo, até o século XIX a criança não era reconhecida como um ser diferente do adulto, como um ser especial, com necessidades especiais, enfim com seu mundo próprio. Sobre esse tema, em depoimento recente ao programa “Salto para o Futuro (TV Escola)”, a professora Cristina Porto do curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá (RJ), diz que “O bebê boneca não existia também, só existia bonecas representando adultos. Somente no final do século XIX e início do XX é que a boneca bebê surge, e as crianças passam a brincar com toda a questão da maternagem.”
No aspecto material temos as técnicas que vão surgindo, que vai dando movimentos novos aos brinquedos, formato, design. Por exemplo, os carrinhos vão se modificando a partir dos novos modelos, tudo isso está sendo oferecidos para a criança através dos objetos, esses são valores, acontecimentos, técnicas que se oferecem a criança através do brinquedo. A noção de infância do brinquedo foi se transformando ao longo dos tempos e com a noção de infância a criança foi passando a ser vista de forma diferente. Como mencionei anteriormente até o século XIX a criança não er5a reconhecida pela sociedade, foi uma transformação, evolução conquistada pelos pedagogos, psicólogos, pensadores que começaram a tomar consciência da importância da criança enquanto indivíduo a ser estimulado, individuo portador de inteligência, individuo portador de desejos e portanto merecedor de atenção e de ter seu desenvolvimento pleno acompanhado, observado e compreendido.
Segundo Cristina, temos registro do brinquedo desde a antiguidade: “ criança com cavalinho de pau num vaso grego, registro bem longínquo do brinquedo, mas nem sempre ele chegou aqui com a mesma visão que ele tinha na antiguidade, e foi sem transformado a medida em que a visão que a sociedade tem da criança. Esse aspecto cultural é que foi fazendo com que o brinquedo enquanto um objeto lúdico para uma sociedade que inicialmente coletivo não reconhecido como objeto da criança, da criança se desenvolver, transpor seus sonhos, suas fantasias, seus desejos e construir sua personalidade, esse brinquedo ele não era reconhecido como tal. Muito pelo contrário, o brinquedo era um elemento que desviava a criança do desenvolvimento dela e portanto ele deveria ser reprimido. Seus brinquedos eram fabricados ao logo dos anos informalmente pela própria criança, mas nunca de forma positiva. O brinquedo enquanto objeto de cultura ele vai incorporando toda essa evolução do pensamento.”
O artesanal e o industrial
Os antigos brinquedos eram construídos dos restos das produções das oficinas medievais. Com os restos das madeiras faziam-se os cavalinhos e bonecos. Com a industrialização o brinquedo passa a ser feito em série, perdendo aquele aspecto único que tinha, podia até parecer , mas não era igual, enquanto que o brinquedo em série possibilita um acesso maior a esse objeto que passa a acontecer a partir da fabricação, isso vai mudando a chegada do brinquedo nas mãos das crianças. Portanto o brinquedo não era pensado como objeto para a criança. Crianças e adultos brincavam juntos e muitas vezes esses brinquedos eram feitos com outro fim, mas chegavam até as crianças e elas brincavam. Por exemplo: miniaturas e objetos de cunho religioso.
Nesse mesmo programa a professora Lígia Mefano do Departamento de Arte e Design da PUC (RJ), analisando o processo de mudança na percepção da criança e da sociedade sobre o brinquedo como objeto de cultura, diz que “hoje quando se pensa em brinquedo, pensa em criança. Tem o aspecto positivo que a criança vai sendo valorizada nesse processo, mas há também o aspecto de separação do mundo das crianças e do mundo dos adultos, afastamento que pode gerar complicações, ou seja, a sociedade desaprende quando ela não acompanha suas crianças. Pois a criança nos ensina a rever nossa vida a partir do momento que ela vai institucionando a educação, em que as crianças vão indo para as instituições cada vez mais cedo (educação infantil) ou outros membros adultos (pais, avós, tios) vão desaprendendo a lidar com essa infância, isso é um aspecto negativo da nossa sociedade. Por incrível que parece hoje no Brasil, mais de 60% das crianças brasileiras não brincam com brinquedos industrializados, ou seja, a maioria das nossas crianças ainda não tem acesso direto ao brinquedo industrializado. Ainda faz o seu próprio brinquedo, compra na feira ou são feitos pelos familiares da criança.”
Realmente existe este afastamento que considero uma fase onde a criança foi muito separada da própria criança, devido à reprodução em larga escala industrial do brinquedo. Ocorria que era uma criança para um brinquedo ao invés de um brinquedo para várias crianças brincarem juntas. Do ponto de vista do comportamento social, percebemos que essas crianças ficam próximas, brincam uma ao lado das outras, mas não com a outra, ou seja, não organizam brincadeiras em conjunto. Esse processo ocasionou no isolamento da criança. No entanto estamos caminhando para outro momento importante na construção educativa e cultural da criança: a construção da inteligência pela criança. A descoberta das possibilidades de se recorrer às atividades espontâneas próprias do desenvolvimento psicológico da criação e com isso aprendermos com ela.
É possível observar através da mídia publicitária os atuais anúncios sobre as vendas de brinquedos para muitas pessoas, fazendo com que a criança retorne para o coletivo, onde a família se integre novamente ao brinquedo. Por isso acho de grande importância as oficinas de construção de brinquedos, quase inexistente sua presença em nosso estado, para uma melhor divulgação na comunidade escolar, ou seja, fazer o brinquedo juntos para depois brincar.

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