segunda-feira, 6 de julho de 2009


O historiador Sílvio Romero

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com


“É preciso deixar de lado o método exterior de julgar os produtos literários por meio de convenções retóricas. É preciso procurar em toda a vida nacional o elemento popular, vivo, constante, criador. É preciso procura-lo na história política e social e na história literária e das artes”.
Silvio Romero


Celebrar o sesquicentenário de nascimento do pensador, crítico e ensaísta sergipano Sílvio Romero (1851-1914), que ocorre em 2001, significa reverenciar a eminente figura da nossa história. Não somente pela notável contribuição no campo da historiografia literária que, a partir dele, passou a utilizar novos métodos de análise crítica com base, sobretudo, no levantamento sociológico, mas, igualmente pelas idéias ousadas para o seu tempo, que se anteciparam às dos seus companheiros de geração e se transformaram em objeto de estudo durante muitas décadas.
Como historiador de nossa literatura, Sílvio Romero é festejado entre os de primeira linha, bem como se situa entre os mais credenciados pioneiros dos estudos sociais no Brasil. É, ele à consciência ativa, e vigilante da Escola do Recife, que não cessaria de sustentar em um sem-número de artigos.
De espírito combativo, foi um panfletário vigoroso que se notabilizou pela seriedade e inconformismo ante as rotinas. Um polemista de estilo fluente, passional, irônico, era um homem impulsivo, que se indispôs com vários poetas, prosadores e críticos.
Nascido a 21 de abril de 1851, na vila sertaneja de Lagarto, da então província de Sergipe, Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero, filho de André Ramos Romero e de dona Maria Joaquina da Silveira, foi pensador, crítico, poeta, ensaísta e o primeiro historiador sistemático da literatura brasileira.
A sua infância foi no engenho da família, até os cinco anos. Desta idade até os 11 anos, reside em Lagarto, onde fez os primeiros estudos numa escola pública, terminando-os um ano depois, quando vai estudar os preparatórios na Corte, no Atheneu Fluminense, como aluno interno.
Aos 17 anos presta os exames perante a banca da Instrução Pública e começa a estudar na Faculdade de Direito do Recife (1868-1873), onde teve como contemporâneos ou colegas de curso, Celso de Magalhães, Domingos Olímpio, Joaquim Nabuco, Araripe Júnior, Luís Guimarães Júnior e Tobias Barreto (1839-1889), ao lado do qual expressou a ânsia de renovação que acompanhou a ascensão do Positivismo.
O amigo e conterrâneo começava, então, a divulgar as doutrinas positivistas e evolucionistas que iriam formar o ideário do Realismo. Logo aderiu às novas idéias, passando a nutrir pelo chefe da Escola do Recife admiração quase idolátrica - conseqüência imediata dessa adesão são os artigos de crítica à poesia romântica escritos, por volta de 1873, e que, mais tarde, reuniria em A Literatura Brasileira e a Crítica Moderna (1880).
Membro da chamada Escola do Recife, pretendeu com sua obra uma superação do ecletismo e do positivismo: inspirando-se sobretudo em Emanuel Kant (1724-1804) e no evolucionismo spenceriano, deu origem a um culturismo sociológico.
Bacharel em 1873, Sílvio Romero retornou a Sergipe, sendo nomeado promotor público de Estância. Ao se lançar na política, a duras penas, chegou a ser deputado provincial (1874) e deputado federal (1898).
Em 1876 passa pelo Rio de Janeiro, com destino a Parati, onde foi nomeado juiz municipal. Três anos depois, ao mudar definitivamente para Corte, obtém a cátedra de Filosofia do Colégio Pedro II, através da defesa da tese Interpretação Filosófica dos Fatos Históricos (1880).
No Rio de Janeiro, viveria do magistério - ensinando também na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais - e da pena, inclusive, a sua vasta e importante obra crítica, que o caracterizou como árdego polemista, cioso de reivindicar a prioridade da Escola do Recife na renovação da intelectualidade brasileira e a superioridade de Tobias Barreto sobre seus contemporâneos, notadamente Castro Alves (1847-1871) e Machado de Assis (1839-1908).
Em 1901, Sílvio Romero viaja à Europa e, por indicação da Universidade de Coimbra, é agraciado pelo rei Dom Carlos I, de Portugal, com a Ordem de São Tiago. Ainda, passa a ser sócio da Academia de Ciências de Lisboa e do Instituto de Coimbra, em 1902.
Em 1906, recebeu o autor de Os Sertões, Euclides da Cunha, na Academia Brasileira de Letras. Adoentado - foi jubilado do Colégio Pedro II em 1910 - tenta uma estação de cura em Juiz de Fora, Minas Gerais. De volta ao Rio de Janeiro, morre o escritor no dia 18 de julho de 1914.
Sua obra participa do esforço de revisão ideológica de que brotou o pensamento moderno do Brasil - pode-se dizer, sem medo, que lançou bases mais sólidas para a compreensão da nossa literatura: Poesia Contemporânea (1869), A Filosofia no Brasil (1878), Cantos do Fim do Século (1878), Introdução à História da Literatura Brasileira (1882), Cantos Populares do Brasil (1883), Ensaios de Crítica Parlamentar (1883), Últimos Arpejos (1883), Valentim Magalhães (1884), Estudos de Literatura Contemporânea (1885), Etnografia Brasileira (1888), Luís Murat (1893), Doutrina Contra Doutrina - O Evolucionismo e o Positivismo no Brasil (1894), Ensaios de Filosofia do Direito (1895), Machado de Assis (1897), Ensaios de Sociologia e Literatura Brasileira (1901), Evolução do Lirismo Brasileiro (1905), América Latina (1906), Minhas Contradições (1914), dentre outros.
Foi notável a sua contribuição no campo da historiografia literária que, a partir dele, passou a utilizar novos métodos de análise crítica com base, sobretudo, no levantamento sociológico. Sílvio Romero foi o primeiro grande crítico e fundador da crítica no Brasil.
A História da Literatura Brasileira é a sua principal demonstração de amor à cultura brasileira, publicada pela primeira vez em dois volumes - Rio de Janeiro, B. L. Garnier, Livreiro Editor, 1888 - reeditada em 1902, muito melhorada pelo autor. Durante muito tempo esgotado depois da morte de Sílvio Romero, o título ganhou uma terceira edição em 1943, pela Livraria José Olímpio Editora, organizada por Nélson Romero (com a incorporação de trabalhos monográficos esparsos), em cinco volumes. Em 1980, foi lançada a sua sétima edição.
Rejeitando as teses românticas e indianistas, Sílvio Romero propôs vigorosamente uma abordagem da obra em função das realidades antropológica e social, vistas como fatos primeiros e inarredáveis. Ou seja, o pensamento romeriano no que diz respeito às letras brasileiras, resume-se nos seguintes pontos básicos: determinismo bio-sociológico, evolucionismo e crítica externa X crítica retórica.
As suas antecipações corajosas, os seus rasgos de pioneiro, as suas investigações nos revelou um Brasil ainda desconhecido, introduzindo no estudo da literatura nacional os novos rumos críticos, as novas preocupações de exegese científica, os novos métodos, que abririam caminhos, indicando rumos e semeando idéias para a evolução do pensamento brasileiro.
Sobre a evolução do pensamento de Sílvio Romero, escreveram Gilberto Freyre, Pedro Calmon, João Ribeiro, Luís da Câmara Cascudo, Afrânio Coutinho, Hermes Lima, dentre outros. No tocante à crítica literária, mereceu estudo importantíssimo em 1945 (hoje disponível na Editora da Universidade de São Paulo, série Passado & Presente, teses, 1988), assinado pelo professor Antônio Cândido - O método Crítico de Sílvio Romero - tese apresentada no concurso para provimento da cadeira de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de São Paulo.
Na monumental História da Literatura Brasileira, onde o autor sergipano traça o mapa cultural do país, partindo das contribuições populares, está registrado no prólogo da primeira edição que “Este livro é um livro de amor, feito por um homem que sente há perto de vinte anos, sobre o coração, o peso do ódio que lhe tem sido votado em sua pátria...”
Sílvio Romero é hoje justamente reverenciado por idéias ousadas para seu tempo e centrais para o nosso momento literário. Esse reconhecimento que ora registramos é um toque de gratidão pelo legado desse magistral escritor sergipano. Por tudo isso é que ele precisa ser reeditado no momento em que se aproximam as comemorações alusivas à passagem dos seus 150 anos de nascimento, não como uma “exumação” ou “glorificação”, mas com a objetividade de proporcionar aos estudiosos um dos mais importantes textos da literatura brasileira.
Em 1873, quando Sílvio Romero mergulha em suas próprias predileções, promovendo-as a motivo de análise - à época, nada possuíamos no campo dos estudos do folclore, que não passava de uma curiosidade. Colocá-lo como um tema digno de uma outra preocupação além disso, era encarado como uma pilhéria para a inteligência da época. O folclore, assim, lhe deve as primeiras coleções de cantos e contos, as explicações iniciais das escolas que surgiram, cabendo-lhe a glória de haver enfrentado a indiferença e a ignorância, defendendo-o com a veemência e o entusiasmo que lhe era uma constante psicológica.
A partir de 1879, residindo no Rio de Janeiro, durante um ano, Sílvio Romero publica na Revista Brasileira os estudos A Poesia Popular no Brasil, reunidos depois nos volumes Estudos Sobre a Poesia Popular no Brasil (1870-1880), contribuição para o estudo do folclore nacional, Rio, Tipografia de Laemmert & Cia., 1888. Já no capítulo VII de sua História da Literatura Brasileira vamos encontrar as bases do estudo folclórico, bem como os lineamentos doutrinários. Romero coligiu nos Cantos Populares do Brasil o material esparso e iniciou nos Estudos Sobre a Poesia Popular do Brasil o método, mostrando como o nosso patrimônio popular é mais rico do que o dos portugueses, por ter reunido este ao dos índios e negros.
Justamente na poesia popular se encontra muito do que é representativo, por sua originalidade, espontaneidade do espírito da nossa gente. E Sílvio Romero, desde 1869/1870, compreendeu que o romantismo estava agonizante: “Pressenti, logo, a importância extraordinária do conhecimento da psicologia popular como fator das criações literárias e empreendi colecionar o nosso folclore, de que dantes não tínhamos quase conhecimento algum”. Nessa pesquisa, o historiador sergipano analisa o folclore brasileiro, a literatura oral em plano sistemático: poesia, teatro tradicional, orações, jogos infantis e cantos.
Apesar de sua inquestionável importância, para se ter uma idéia, a segunda edição dos Estudos Sobre a Poesia Popular do Brasil, saiu em 1977, pela Editora Vozes, em convênio com o Governo do Estado do Sergipe, coleção Dimensões do Brasil, ou seja, levou, 90 anos esgotada. Há uma outra edição mais recente, publicada pela Itatiaia, mas nem sempre acessível ao público interessado.
De Sílvio Romero pouco há que dizer, tanto que já se falou a seu respeito, tanto que já se escreveu sobre sua obra variada. Essa figura de verdadeiro gigante do pensamento na América Latina - ainda pouco conhecido fora das fronteiras da terra brasileira ou, quando muito, da língua portuguesa - procurou em toda sua obra saber a origem da nossa nacionalidade e os elementos de que ela dispunha na atualidade para sobreviver no futuro com caráter próprio.
Foi ele, ainda, o maior divulgador de idéias e agitador cultural, seja através do estabelecimento de polêmicas, seja por meio de artigos vivos, numa intensidade que durou toda a sua existência.
A sua cultura diversificada - ciências políticas e sociais, etnologia, cultura científica, a mais moderna no seu tempo - aliada a uma inclinação irresistível para o estudo da literatura e da cultura de seu país, veio dar se não o maior crítico, mas, sem dúvida, o maior historiador de nossa formação. Estudos Sobre a Poesia Popular do Brasil são a obra mais séria de Sílvio Romero, assim como a História da Literatura Brasileira.

A interpretação do Brasil
Quando no final do século passado Sílvio Romero procurava compreender o “atraso do povo brasileiro”, de uma certa forma, ele estava inaugurando uma vigorosa corrente de pensamento que buscava entender a questão da identidade nacional na sua correlação com o exterior. É claro, essa interpretação se fundamentava na ideologia da época, para a qual o conceito de raça, e de clima eram essenciais: “... todo problema histórico e literário há de ter no Brasil duas faces principais: uma geral e outra particular, uma influenciada pelo momento europeu e outra pelo meio nacional, uma que deve atender ao que vai pelo grande mundo, e outra que deve verificar o que poder ser aplicado ao nosso país”.
Em seus estudos folclóricos, Sílvio Romero traz uma preocupação fundamental, que é a problemática nacional, a de se construir uma nacionalidade que não existe ainda em sua totalidade, mas que se pretende consolidar como realidade histórica, cujo objetivo fundamental é estabelecer o terreno da nacionalidade brasileira, voltando para o cruzamento do negro, do branco e do índio, na busca de uma identidade nacional.

Em 1876 passa pelo Rio de Janeiro, com destino a Parati, onde foi nomeado juiz municipal. Três anos depois, ao mudar definitivamente para Corte, obtém a cátedra de Filosofia do Colégio Pedro II, através da defesa da tese Interpretação Filosófica dos Fatos Históricos (1880).
No Rio de Janeiro, viveria do magistério - ensinando também na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais - e da pena, inclusive, a sua vasta e importante obra crítica, que o caracterizou como árdego polemista, cioso de reivindicar a prioridade da Escola do Recife na renovação da intelectualidade brasileira e a superioridade de Tobias Barreto sobre seus contemporâneos, notadamente Castro Alves (1847-1871) e Machado de Assis (1839-1908).
Em 1901, Sílvio Romero viaja à Europa e, por indicação da Universidade de Coimbra, é agraciado pelo rei Dom Carlos I, de Portugal, com a Ordem de São Tiago. Ainda, passa a ser sócio da Academia de Ciências de Lisboa e do Instituto de Coimbra, em 1902.
Em 1906, recebeu o autor de Os Sertões, Euclides da Cunha, na Academia Brasileira de Letras. Adoentado - foi jubilado do Colégio Pedro II em 1910 - tenta uma estação de cura em Juiz de Fora, Minas Gerais. De volta ao Rio de Janeiro, morre o escritor no dia 18 de julho de 1914.
Sua obra participa do esforço de revisão ideológica de que brotou o pensamento moderno do Brasil - pode-se dizer, sem medo, que lançou bases mais sólidas para a compreensão da nossa literatura: Poesia Contemporânea (1869), A Filosofia no Brasil (1878), Cantos do Fim do Século (1878), Introdução à História da Literatura Brasileira (1882), Cantos Populares do Brasil (1883), Ensaios de Crítica Parlamentar (1883), Últimos Arpejos (1883), Valentim Magalhães (1884), Estudos de Literatura Contemporânea (1885), Etnografia Brasileira (1888), Luís Murat (1893), Doutrina Contra Doutrina - O Evolucionismo e o Positivismo no Brasil (1894), Ensaios de Filosofia do Direito (1895), Machado de Assis (1897), Ensaios de Sociologia e Literatura Brasileira (1901), Evolução do Lirismo Brasileiro (1905), América Latina (1906), Minhas Contradições (1914), dentre outros.
Foi notável a sua contribuição no campo da historiografia literária que, a partir dele, passou a utilizar novos métodos de análise crítica com base, sobretudo, no levantamento sociológico. Sílvio Romero foi o primeiro grande crítico e fundador da crítica no Brasil.
A História da Literatura Brasileira é a sua principal demonstração de amor à cultura brasileira, publicada pela primeira vez em dois volumes - Rio de Janeiro, B. L. Garnier, Livreiro Editor, 1888 - reeditada em 1902, muito melhorada pelo autor. Durante muito tempo esgotado depois da morte de Sílvio Romero, o título ganhou uma terceira edição em 1943, pela Livraria José Olímpio Editora, organizada por Nélson Romero (com a incorporação de trabalhos monográficos esparsos), em cinco volumes. Em 1980, foi lançada a sua sétima edição.
Rejeitando as teses românticas e indianistas, Sílvio Romero propôs vigorosamente uma abordagem da obra em função das realidades antropológica e social, vistas como fatos primeiros e inarredáveis. Ou seja, o pensamento romeriano no que diz respeito às letras brasileiras, resume-se nos seguintes pontos básicos: determinismo bio-sociológico, evolucionismo e crítica externa X crítica retórica.
As suas antecipações corajosas, os seus rasgos de pioneiro, as suas investigações nos revelou um Brasil ainda desconhecido, introduzindo no estudo da literatura nacional os novos rumos críticos, as novas preocupações de exegese científica, os novos métodos, que abririam caminhos, indicando rumos e semeando idéias para a evolução do pensamento brasileiro.
Sobre a evolução do pensamento de Sílvio Romero, escreveram Gilberto Freyre, Pedro Calmon, João Ribeiro, Luís da Câmara Cascudo, Afrânio Coutinho, Hermes Lima, dentre outros. No tocante à crítica literária, mereceu estudo importantíssimo em 1945 (hoje disponível na Editora da Universidade de São Paulo, série Passado & Presente, teses, 1988), assinado pelo professor Antônio Cândido - O método Crítico de Sílvio Romero - tese apresentada no concurso para provimento da cadeira de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de São Paulo.
Na monumental História da Literatura Brasileira, onde o autor sergipano traça o mapa cultural do país, partindo das contribuições populares, está registrado no prólogo da primeira edição que “Este livro é um livro de amor, feito por um homem que sente há perto de vinte anos, sobre o coração, o peso do ódio que lhe tem sido votado em sua pátria...”
Sílvio Romero é hoje justamente reverenciado por idéias ousadas para seu tempo e centrais para o nosso momento literário. Esse reconhecimento que ora registramos é um toque de gratidão pelo legado desse magistral escritor sergipano. Por tudo isso é que ele precisa ser reeditado no momento em que se aproximam as comemorações alusivas à passagem dos seus 150 anos de nascimento, não como uma “exumação” ou “glorificação”, mas com a objetividade de proporcionar aos estudiosos um dos mais importantes textos da literatura brasileira.
Em 1873, quando Sílvio Romero mergulha em suas próprias predileções, promovendo-as a motivo de análise - à época, nada possuíamos no campo dos estudos do folclore, que não passava de uma curiosidade. Colocá-lo como um tema digno de uma outra preocupação além disso, era encarado como uma pilhéria para a inteligência da época. O folclore, assim, lhe deve as primeiras coleções de cantos e contos, as explicações iniciais das escolas que surgiram, cabendo-lhe a glória de haver enfrentado a indiferença e a ignorância, defendendo-o com a veemência e o entusiasmo que lhe era uma constante psicológica.
A partir de 1879, residindo no Rio de Janeiro, durante um ano, Sílvio Romero publica na Revista Brasileira os estudos A Poesia Popular no Brasil, reunidos depois nos volumes Estudos Sobre a Poesia Popular no Brasil (1870-1880), contribuição para o estudo do folclore nacional, Rio, Tipografia de Laemmert & Cia., 1888. Já no capítulo VII de sua História da Literatura Brasileira vamos encontrar as bases do estudo folclórico, bem como os lineamentos doutrinários. Romero coligiu nos Cantos Populares do Brasil o material esparso e iniciou nos Estudos Sobre a Poesia Popular do Brasil o método, mostrando como o nosso patrimônio popular é mais rico do que o dos portugueses, por ter reunido este ao dos índios e negros.
Justamente na poesia popular se encontra muito do que é representativo, por sua originalidade, espontaneidade do espírito da nossa gente. E Sílvio Romero, desde 1869/1870, compreendeu que o romantismo estava agonizante: “Pressenti, logo, a importância extraordinária do conhecimento da psicologia popular como fator das criações literárias e empreendi colecionar o nosso folclore, de que dantes não tínhamos quase conhecimento algum”. Nessa pesquisa, o historiador sergipano analisa o folclore brasileiro, a literatura oral em plano sistemático: poesia, teatro tradicional, orações, jogos infantis e cantos.
Apesar de sua inquestionável importância, para se ter uma idéia, a segunda edição dos Estudos Sobre a Poesia Popular do Brasil, saiu em 1977, pela Editora Vozes, em convênio com o Governo do Estado do Sergipe, coleção Dimensões do Brasil, ou seja, levou, 90 anos esgotada. Há uma outra edição mais recente, publicada pela Itatiaia, mas nem sempre acessível ao público interessado.
De Sílvio Romero pouco há que dizer, tanto que já se falou a seu respeito, tanto que já se escreveu sobre sua obra variada. Essa figura de verdadeiro gigante do pensamento na América Latina - ainda pouco conhecido fora das fronteiras da terra brasileira ou, quando muito, da língua portuguesa - procurou em toda sua obra saber a origem da nossa nacionalidade e os elementos de que ela dispunha na atualidade para sobreviver no futuro com caráter próprio.
Foi ele, ainda, o maior divulgador de idéias e agitador cultural, seja através do estabelecimento de polêmicas, seja por meio de artigos vivos, numa intensidade que durou toda a sua existência.
A sua cultura diversificada - ciências políticas e sociais, etnologia, cultura científica, a mais moderna no seu tempo - aliada a uma inclinação irresistível para o estudo da literatura e da cultura de seu país, veio dar se não o maior crítico, mas, sem dúvida, o maior historiador de nossa formação. Estudos Sobre a Poesia Popular do Brasil são a obra mais séria de Sílvio Romero, assim como a História da Literatura Brasileira.

Centenário


As comemorações do centenário de Sílvio Romero (1851-1951), crítico, historiador, folclorista e filósofo, teve ampla divulgação no Diário Oficial do Estado de Sergipe. A Semana de Sílvio Romero foi marcada com um coquetel na tarde do dia 18 , no Cassino da Atalaia, oferecido pela Prefeitura Municipal de Aracaju, sob o comando do prefeito Aldebrando Franco de Menezes, oferecido aos ilustres visitantes, que vieram homenagear a memória de Sílvio Romero. O Diário Oficial de 21 de abril, registra que:

”Foi, sem dúvida, uma festa distinta e agradável, à que estiveram presentes o Governador Arnaldo Rollemberg Garcez e sua exma. Consorte, D. Maria Augusto Garcez, Professor Nelson Romero, digníssima senhora e filhas, D. Helena de Magalhães Castro, Prof. Luiz da Câmara Cascudo, Dr. Floriano Azevedo, Prof. Augusto Alexandre Machado, Deputado Sílvio Teixeira, Presidente da Assembléia Legislativa, Secretários de Estados, auxiliares do Governo, deputados estaduais, Vereador Teixeira Machado, Presidente da Câmara Municipal de Aracaju e uma comissão daquele órgão, Diário de Sergipe, O Nordeste, Sergipe-Jornal e o Debate, estudantes de Sergipe e elementos de projeção em nossos círculos intelectuais, comerciais, industriais e sociais, especialmente convidados.”

Neste mesmo dia, o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe realizou um Conferência presidida pelo Governador Arnaldo Rollemberg e estando presente o dr. Gentil Tavares da Mata, representante do Ministro de Educação e Saúde, altas autoridades civis, militares e eclesiásticas, visitantes de Sergipe, como a delegação da Faculdade de Direito da Bahia, chefiada pelo professor Augusto Machado, mocidade estudantil, representantes de instituições culturais e científicas, e jornalistas. As solenidades de 21 de abril, dia do centenário de Sílvio Romero iniciaram com uma missa, às 9 h na catedral Diocesana. A noite foi realizada no IHGS a 5. Conferência da série promovida pela Comissão do 1. Centenário de Sílvio Romero. O orador oficial da noite foi o folclorista Luiz da Câmara Cascudo.

“Sua conferência, em estilo professoral, foi uma magnifica lição sobre onde foi evidentemente demonstrado o caráter científico deste ramo de conhecimento, por muito ainda confundido como assunto de mera graça ou curiosidade. Mostrou o orador as raízes do folk-lore, em suas relações com a mitologia e mais ainda, como sobrevivência da cultura dos povos, através das lendas, dos contos, das cantigas, dos costumes, do proceder comum e rotineiro do povo; das crenças, dos mitos, da arte culinária, das modas e usos.
Mostrou as íntimas relações do folk-lore com a antropologia cultural, e como se torna indispensável um estudo sistemático do assunto, numa correlação de pesquisas que devem ser levadas a cabo em todas as regiões e estados do Brasil.
Revelou, depois, como o folclore, mostra, aos olhos do pesquisador, a inegável relação entre a nosso cerâmica modesta das nossas feiras e os objetos que ele viu, no Egito e alhures, como demonstração irrefutável de um traço de união, no espaço e no tempo, que é necessário examinar mais cuidadosamente, para solução integral dos termos do problema.
Por fim, referiu como Sílvio Romero, o polígrafo, o pensador e o mestre, o crítico e o escritor, teve a intuição genial de antever a sistemática folclorista de, sozinho e ainda sem a compreensão acolhedora de intelectualidade de seu tempo, realizar uma tarefa ciclópica, na colheita de um enorme acervo de material folclórico, com seus trabalhos Cantos Populares, Contos Populares e tantos outros. Sílvio estudou o povo, não na deturpada acepção política que hoje emprestam ao termo, mas no significado cultural da expressão, procurando no homem comum de Sergipe, seja do Brasil os extratos de culturas milenares, que no país se fundiram miraculosamente, com as contribuições européia -lusitana, africana e ameríndia.” (Diário Oficial de 24 de abril, 1951).

As comemorações do Centenário de Sílvio Romero prosseguem na tradicional e florescente cidade de Lagarto, onde nasceu o homenageado. As 5 h da manhã a Lira Popular fez ruidosa alvorada, e as 9 h missa celebrada pelo vigário da Paróquia Monsenhor João de Souza Marinho, na Matriz de N. S. Da Piedade Às 15 h chegava a caravana do Governador Arnaldo Garcez, que levava consigo secretários de Estado, auxiliares e visitantes:

“Diretores de Repartições, delegações da Academia Sergipana de Letras, Instituto Histórico , União dos Estudantes Secundários de Sergipe, Casa do Livro de Capela, Academia Norte-Riograndense de Letras, Faculdade de Direito de Sergipe, Grêmio Cultural Clodomir Silva, Faculdade de Direito da Bahia e outras pessoas especialmente convidadas.
Por singular coincidência, era aquela a primeira excussão do Governador Arnaldo Rollemberg Garcez ao interior, o que o vinculava para sempre aos majestosos cometimentos da inteligência a cultural sergipana.” (Diário Oficial, de 25 de abril, 1951).

No palanque oficial, onde se encontravam o Chefe do Governo, Cel. D'Avila Garcez, o Prefeito Alfredo Batista, o Presidente da Assembléia, Deputado Sílvio Teixeira e outros. O Desembargador Enoch Santiago leu o seu trabalho sobre Sílvio Romero, acurado estudo da obra do conterrâneo. Seguiram-se outro oradores como Helenita Souza Santos, pelo Grupo Escolar Sílvio Romero; o acadêmico José de Araújo Barroso em nome da Faculdade de Direito de Sergipe; Maria Helena Dantas pelo Educandário N. S. Da Piedade; Acadêmico Carlos Brandão pelo Delegação da Faculdade de Direito da Bahia.
A noite foi oferecido ao Governador do Estado, um jantar ao som do Jazz da Lira Popular:

“O poeta Freire Ribeiro, com os arroubos de sua conhecida eloquência saudou o Rio Grande do Norte, ali representado pelo Professor Dr. Luiz da Câmara Cascudo, figura de enorme projeção no cenário intelectual brasileiro, que , em agradecimento, enalteceu a pessoa do Governador Arnaldo Rollemberg Garcez e o seu amor às causas culturais, acentuando que, uma das suas mais vivas impressões de Sergipe, foi, sem dúvida, o mavioso aêdo Freire Ribeiro. O festejado intelectual potiguar terminou com um hino à terra-berço de Sílvio Romero.
Levanta-se depois o Governador Arnaldo Garcez, e, dirigindo-se ao Prefeito, agradece-lhe as homenagens recebidas em Lagarto, saudando-o na inteligência , cultura e integridade do Dr. Enoch Santiago, juiz modelar, que é uma glória para Sergipe. Perolando, o chefe do Governo afirmou que jamais esquecerá Lagarto, que há de ser o ponto de partida do seu Governo.” (Diário Oficial, de 25 de abril, 1951).

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