segunda-feira, 6 de julho de 2009


O pensador Tobias Barreto

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

"Em política bem como em todas
as ciências morais, duas correntes
opostas arrojam os espíritos sobre plagas
diversas, porque a política, bem como
a filosofia, derivando da experiência
e da razão, conta adeptos que exclusivamente
si abandonam a qualquer destas duas fontes
e nela continuamente afogam
tudo que dali não provém”.

Tobias Barreto



Tobias Barreto é figura de valor histórico, tendo contribuído para difundir na incipiente cultura nacional o complexo de idéias que caracterizou a segunda metade do século XIX europeu, e que preparou o clima espiritual do “Realismo-Naturalista” brasileiro, bem como os moldes secularizantes da nossa Primeira República.
Portador de uma obra fragmentária e incongruente, apesar de ser uma das figuras singulares das nossas letras, Tobias Barreto tinha grande talento e boa memória (orador nativo). Verdadeiro precursor do clima cultural dominante na época do Realismo, deixou extensa obra: Estudos de Filosofia e Crítica (1875); Estudos Alemães (1881); Questões Vigentes de Filosofia e Direito (1888); Vários Escritos (1900), dentre outras, inspirada nos estudiosos germânicos, que divulgou intensamente entre nós.
Tobias Barreto foi uma figura curiosíssima, um polemista de primeira linha, singular em nossa história. A sua insolência, o entusiasmo delirante que despertava na mocidade, as idéias novas que incessantemente introduzia, a sua vaidade imensa, o seu orgulho mestiço, toda essa agitação que sua passagem provocou, sacudiu violentamente o marasmo do mundo imperial e republicano.
Como bem disse Gilberto Amado (1887-1969), ele “nos oferece na harmonia viva da sua obra o tipo específico, o denominador comum das aspirações da consciência política, estética e moral da segunda metade do século XIX”. Não resta dúvida de que Tobias Barreto marcou profundamente nossa história intelectual com sua ação."
A poesia do final da década de 1860 já anunciava o fim do Romantismo; Castro Alves, (1847-1871), Sousândrade (1833-1902) e Tobias Barreto (1839-1889) mantinham-se românticos na forma e na expressão, mas agora os temas estavam voltados para uma realidade político-social.
Como poeta é simultaneamente um sentimental (queixumes melancólicos), trivial e de nenhuma influência no condoreirismo. Um poeta menor, assimilador entusiasta embora não fosse pensador sistemático, produziu a maior parte de sua poesia “medíocre” e romântica, enquanto estudante. A sua deficiência estava na falta de vocação de poeta, logo se abandona, a poesia pela Filosofia, o Direito, a crítica e outros estudos.
Seus poemas Dias e Noites (1854-1881), com juízo crítico de Silvio Romero (1851-1914), foram compostos no período acadêmico, marcado pelas polêmicas com Castro Alves. Este duelo poético em torno de duas atrizes teatrais do tempo, Adelaide do Amaral, sua predileta, e Eugênia Câmara (1837-1879), do seu adversário, é considerado rivalidade de estudantes, sem maior significação.
Na década de 70 surge a chamada Escola de Recife, com Tobias Barreto, Silvio Romero e outros, cujas idéias se aproximam do pensamento europeu, o positivismo, o evolucionismo e, principalmente, a filosofia alemã são os inspiradores do Realismo, encontrando ressonância no conturbado momento histórico vivido pelo Brasil, sob o signo do abolicionismo, do ideal republicano e da crise da Monarquia.
Tobias Barreto de Meneses nasceu em 7 de junho de 1839, em Campos do Rio Real (SE), hoje cidade que leva o seu nome. Mestiço, filho do escrivão e então alferes Pedro Barreto de Meneses e dona Emerenciana Maria de Meneses. Seus estudos elementares foram iniciados com professores particulares em sua província natal e já aos 15 anos de idade era professor de latim em Maruim e Itabaiana.
Em março de 1861, embarca para Salvador (BA), permanecendo até dezembro do mesmo ano, cursando algumas matérias preparatórias, inclusive filosofia com o frei Itaparica. Influenciado pela leitura de obras de Vitor Hugo (1802-1885), iniciou a carreira literária.
Acometido de varíola em 1863, não consegue ingressar na Faculdade de Direito do Recife, o que só vem a ocorrer um ano depois. Diplomado em 1869 (foi obrigado a repetir o terceiro ano do curso jurídico, por motivo de faltas em 1866), pouco depois fundou seu próprio colégio, aí lecionando várias matérias.
De 1871 a 1881, exerceu a advocacia e o jornalismo em Escada (PE), onde montou uma tipografia, fundou e dirigiu uma dezena de efêmeros periódicos liberais, vibrantes de idéias progressistas, inclusive o Deutscher Tämpfer (O Lutador Alemão) em língua alemã.
Nesta cidade ocupou os cargos públicos de Curador dos Órfãos, Suplente de juiz Municipal e de Deputado provincial por Pernambuco, na legislatura de (1879-1880). Sua permanência no município foi uma etapa muito importante em sua vida; a maturidade cultural, estudando e aprofundando-se em quase todas as ciências humanas, a começar pela língua e literatura germânica.
Em fins de 1881, envolvido em discórdias políticas e questões familiares, resolve transferir-se para Recife. Na capital pernambucana obtém nomeação para lente substituto na Faculdade de Direito, conquistando em 1882 a cátedra de Prática do Processo, onde leciona até o fim de sua existência, revolucionando o ensino jurídico, como divulgador das idéias mais avançadas da época e, notadamente, como mentor intelectual de uma geração de consagrados nomes, dentre outros, Martins Júnior, Artur Orlando (1858-1916) e Clóvis Bevilaqua (1859-1944).
Voltado para o ensino e para o jornalismo, Tobias Barreto sempre em luta com seu temperamento, inquieto, em permanente ebulição intelectual, insatisfeito e incompreendido, soube como nenhum outro analisar a vida social e política do segundo reinado.
Advogado, mas exercendo também outras atividades para sobreviver" disso, morreu em 26 de junho de 1889 no Recife (PE) na miséria e no abandono, deixando discípulos como Graça Aranha (1868-1931) e especialmente Silvio Romero, quem mais reivindicou a primazia para Tobias Barreto da renovação das idéias no Brasil, no último quartel do século passado, através da chamada Escola do Recife.
Muito embora Tobias Barreto tenha morrido em 1889, este ocorrido fora veiculado dois anos antes através da imprensa sergipana, primeiramente pelo jornal O Sergipano, órgão conservador que noticiou a “morte” de Tobias Barreto (10 de maio). Baseando-se nesta informação a União Liberal, de Propriá, em edição de 13 de maio, publica em sua primeira página nota sobre seu falecimento em 10 do corrente na cidade de Recife. Sete dias depois (22), O Laranjeirense veicula na última página uma notícia de “última hora” sobre a morte de Tobias. “Acabamos de ser profundamente abalados diante da tétrica notícia de que é morto o genial escritor sergipano, Tobias Barreto. O eminente pensador, o altíloco filósofo, o adorado mestre, o espírito mais pensante do país no presente, cedeu, em o dia 10 do corrente, como tantos outros espíritos valentes, à fatal lei da transformação”.
Desfeito o mal entendido, no número seguinte (uma semana depois), O Laranjeirense publica: “Felizmente para o país, que vê no profundo mestre a manifestação mais possante do verdadeiro talento, temos a viva satisfação de declarar que é destituído de fundamento semelhante sucesso, que nos foi transmitido pelo O Sergipano e União Liberal, órgãos das duas políticas do quarto distrito da província”.
Eclético durante algum tempo, tornou-se depois crítico do ecletismo, assim como do positivismo, escrevendo uma obra aberta ao diálogo com as ciências; reafirmou a metafísica e foi um precursor do culturalismo (cultura e personalidade), escola norte-americana de antropologia que tende a considerar essencial a especificidade da “cultura”, encarada como hábito do grupo social, por oposição à natureza.
Somente a partir da publicação das Obras Completas de Tobias Barreto, Edição Comemorativa, organização de Antônio Paim e Paulo Mercadante, direção geral de Luiz Antônio Barreto, com a colaboração de Jackson da Silva Lima, INL/Editora Record, Rio de Janeiro, 1989/1990, 10 volumes: Estudos de Filosofia: Estudos de Direito I, II e III; Crítica de Religião; Crítica Política e Social; Monografia em Alemão; Dias e Noites; Crítica de Literatura e Arte e Estudos Alemães é que poderão agora, as novas gerações de estudiosos da cultura brasileira, ter em mãos a obra fascinante de Tobias Barreto, o maior agitador de idéias filosóficas que já aconteceu em nossa terra.

Centenário

A primeira matéria sobre o centenário de Tobias Barreto, publicada no Diário Oficial do Estado, saiu em 3 de junho de 1939 e tratava do programa das solenidades com que Sergipe comemoraria o Centenário de nascimento de Tobias Barreto.
As 19 h teve início através do orador pelo IHGS, o professor Mário Cabral, as 20,30 h palestra proferida por Ademar Brito. No dia seguinte a partir das 15 h no Campo Adolfo Rollemberg, demonstração de Educação física pelos aleunos da Escola Normal e dos Grupos Escolares da capital, tendo como orador dr. Gentil Tavares. As 19 h ao microfone do DPDE (PYD 2), falaram professor José Barreto Fontes, pela Escola Conselheiro Orlando e a professora Nadir Galvão Leite, pelo Colégio Jackson de Figueiredo.
No dia 5 às 17 h reabertura da Exposição Permanente do Governo Eronides de Carvalho, no DPDE, as 19 h ao microfone do PYD 2, pela academia Sergipana de Letras, falou o jornalista Exupero Monteiro, as 20,30 h, sessão solene da Congregação do Ateneu Sergipense, tendo como orador o professor Virginio Santana. Na terça feira dia 6, às 10 h, Batimento da primeira pedra do pavilhão da Escola Infantil anexa à Escola Nornal e inauguração do retrato do Interventou Eronides de Carvalho no Gabinete da Diretoria Geral do Departamento de Educação. As 19 h vários oradores falaram através do PYD 2: professor Rinaldo de Oliveira, ginasianos Carmen Sobral e Luiz Barreto pelo corpo discente do Ateneu Sergipense, as 20,30 h Sessão solene da Academia de Letras no IHGS, sendo orador, Carvalho Neto.
Na manhã do dia 7, as 10 h no salão nobre da Biblioteca Pública, sessão solene do Instituto dos Advogados, sendo orador, Gonçalo Leite, ao meio dia, sessão no Rótary Club, discurso proferido por Leite Neto, as 14 h, no Tribunal de Apelação, realizou-se Sessão extraordinária com palestra do desembargador Gervásio Prata. As 16 h, desfile cívico de todos os estabelecimentos de ensino da capital à Estátua de Tobias Barreto, as 19 h a PYD 2, pronunciamente de Florentino Teles de Menezes pelo DPDE, às 20 h encerramento das festividades com uma sessão solene no IHGS, com audição do orfeão artístico da Escola Normal, tendo como orador o desembargador Hynaldo Cardoso.
Na cidade de Campos, terra natal de Tobias Barreto, às 10 h, batimento da pedra fundamental do obelisco em honra a Tobias Barreto, as 16h, romaria à casa em que nasceu Tobias Barreto e as 20 h, sessão cívica na Prefeitura Municipal.
A Semana de Tobias Barreto no IHGS encontrou no escritor e jornalista Mário Cabral um delegado à altura de representá-lo na Semana "Tobias Barreto":

"O dr. Mário Cabral estudou a poesia de Tobias Barreto na sua feição satírica. Fê-lo com a autoridade que lhe empresta uma aprimorada cultura tão sinceramente apreciada através das suas aulas magníficas na Escola Normal "Rui Barbosa" e da sua constante colaboração na imprensa sergipana.
Em verdade, na poesia satírica de Tobias Barreto há muito o que se admirar porque ele foi sobretudo um homem original pelo vigor da idéia que se traduzia na violência da expressão.
Razão tem o orador quando afirma que a sátira é a cristalização da revolta. Este fenômeno se observa muito em Tobias Barreto, na sua instintiva atração pelas incompatibilidades pessoais, segundo M. Paulo Filho, Ademais Tobias não sabia viver, na acepção utilitarista e rendosa do termo.
Tobias Barreto foi poeta satírico por um imperativo étnico-social obedecendo mesmo às injunções de um meio hostil, onde as suas idéias tenham o sabor de uma nova era que teria de emergir, como efetivamente emergiu, daquele caos intelectual. Bendita inconoclastia de Tobias, fazendo ruirem falsos ídolos para legar-nos um virtuoso patrimônio constante de dez obras, que valem como um monumento imperecível erguido em honra do Brasil mental." (Diário Oficial do Estado, 6 de junho, 1939)
As comemorações do 1. centenário de nascimento de Tobias Barreto, contou com o jovem professor José Barreto Fontes, que inspirado, mostrou num breve e fervoroso discurso, a importância do pensamento tobiano aos jovens:
"Empregando um simbolismo que torna ainda maior, no conceito da juventude, o homem culto e fiel à sua cultura que foi Tobias, esboça com entusiasmo o perfil moral do insigne homenageado.
Lembra e louva o romantismo que não se dissipou na crueza das campanhas e das competições acesas mais pela inveja pretenciosa de inimigos a quem não poupava e que não lhe perdoavam a força dos argumentos.
O mesmo que se dá com outros que falaram na "Semana" corrente, o jovem preceptor denota o interesse por que a vida de Tobias nos sirva, eloquentemente, de silenciosa admoestação para não caírmos na dupla franqueza de enveredar pela estrada batida que palmilham as maiores ignavas, negando e escondendo, ao mesmo tempo, as idéias que para tranquilidade da consciência intelectual, se acendem nossos cerebros, como a querer por a lâmpada sob o alqueire.
Fossem os mais elevados os conhecimentos e o talento de Tobias, mas lhe faltasse a "rigidez de caráter" como diz o orador, e o sentido das presentes comemorações muito teria a perder, apesar de tanto que se diz nada ter a ver o talento com a conduta. Tobias, se ensina com a sua obra, encoraja com a sua ação, preferindo sofrer as pedradas da inimizade desleal afugentada pelo seu valor, a fazer causa comum com a malta de detratores desejosos de renome." (Diário Oficial do Estado, 6 de junho, 1939)
O Departamento de Propaganda e Divulgação do Estado - DPDE, gerou várias matérias sobre a Semana de Tobias Barreto, para divulgação no Diário Oficial do Estado:

"A face do talento de Tobias Barreto, que mais difícil se mostrava para um estudo , o qual, todavia, não podia faltar para ser completa a "Semana" preparada em sua honra, na comemoração do 1.Centenário de seu nascimento, encontrou na cultura e sensibilidade do jornalista Exupero Monteiro, também poeta, um intréprete capaz.
Não foi breve a sua alocução transmitida ante-ontem pelo rádio. O seu autor estendeu-se por várias laudas compactas, em que a fluência e graça do estilo se casam a força dos conceitos que emite, das imagens que emprega, dos confrontos que faz.
Animando-se a falar exclusivamente da poesia de Tobias, surpreendeu talvez a alguns que teimam em não apreciar e até a não reconhecer o seu valor e expressividade.
Inteligência maleavel, criando sem se deprimir nem se exaltar motivos serenos com que se afirmou um dos poetas mais interessantes do Estado, cujo estro ora se manifesta em felizes estrofes matutas, ora em belos sonetos líricos, o trabalho do sr. Exupero Monteiro foi uma contribuição primeiro inesperada, depois preciosa, para que também nessa parte se prestasse a Tobias, o que foi feito magistralmente, perfeita homenagem aos lavores magníficos de seu pensamento amigo da sabedoria e também da beleza." (Diário Oficial do Estado, 7 de junho, 1939)

***

"Enquanto certos indivíduos, quais árvores de poderosa envergadura, transpõem, garlhadamente, as lindes perimetrais da existência humana, vivendo por séculos infinitos, outros há que não vivem sequer um átomo de segundo.
Esquilo e Homero, Cícero e Virgilio, há mais de mil anos atufados além dos humbrais das sombras, na feliz expressão de Martins de Azevedo, ainda, hoje, existem, como entidades palpáveis, perpetuados em comédias, tragédias, orações públicas e estrófes bucólicas. Como eles, Tobias Barreto, integrado há cem anos nas legiões do além, continua presente a nós, que, a cada hora, lhe admiramos mais a obra imperecível e eterna.
Tobias Barreto é, hoje, um símbolo para o Brasil, que vem de com excepcionais homenagens desagravá-lo de quantas injúrias lhe atiraram inimigos rancorosos e deselegantes. Tobias Barreto vive, hoje, na comprfeensão do Brasil, inteiramente reparado pelas gerações hodiernas dos males que lhe fizeram aqueles e eram tantos que não tiveram vistas suficientes para contemplar o novo sol que, nascia no horizonte nacional projetando luzes em todos os setores dos conhecimentos humanos." (Diária Oficial do Estado, 10 de junho , 1939)

***
"Comemora-se hoje o dia de Tobias Barreto. É o sétimo dia da semana dedicada ao grande sergipano.
A homenagem que lhe rende o seu Estado, a começar do dia 1., culmina, hoje, com as excepcionais festas públicas e solenidades culturais.
O Govêrno,tendo a elevada compreensão dessa homenagem, prestada a quem, há tanto desaparecido, continua a viver na veneração das gerações que se sucedem, decretou feriado o dia 7 de junho de 1939. Fazendo-se ouvirem figuras as mais representativas de nosso mundo intelectual, foi atingido o objetivo supremo de dar-se o máximo abrilhantamento a tais comemorações, inéditas em nosso meio.
A juventude escolar contribuiu muito para o êxito alcançado. Desde a guarda de honra às obras completas de Tobias Barreto, à grande parada infantil do Colégio do seu nome; desde as pequenas vozes ao rádio, ao magnífico concurso orfeônico - muito se deveu à gente das nossas escolas primárias e secundárias.
Deveu-se a ela esse ar de novidade diariamente notado durante a "Semana", tirando o solenismo protocolar e contrafeito que emana de certas cerimônias coomemorativas." (Diário Oficial do Estado, 10 de junho, 1939).

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