segunda-feira, 6 de julho de 2009

O Poeta Bernardo Vieira Ravasco

GILFRANCISCO: Jornalista, pesquisador, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com


- primeiro poeta natural do Brasil a ter acesso a uma antologia –



O termo barroco abrange em literatura uma série de denominações. Em Portugal e Espanha, seiscentismo, conceptismo (ou conceitismo), cultismo (ou culteranismo); na Itália, marinismo e seiscentismo; na França, preciosismo; na Inglaterra, eufuísmo; e na Alemanha, silesianismo. São características do Barroco literário: linguagem pomposa, imagens sutis e freqüentemente obscuras; musicalidade, descritivismo, exploração das possibilidades fonéticas da língua, objetivando salientar os contrastes conceituais. Utilização do paradoxo, criando um estilo rebuscado, onde predominam os jogos de palavras, oposições e idéias abstratas; procura de imagens e sugestões fora da realidade; virtuosismo; amplo uso de alegorias, hipérboles, paralelismos, repetições, anáforas e antíteses; exacerbação dos sentimentos; gosto do requinte; estilo sentencioso e preocupação moralizante; ritmo sincopado e metáforas sinuosas, espiraladas, ligando imagens complexas, tais como as volutas que caracterizam o estilo barroco na arquitetura.
Antonio Vieira combateu com veemência feroz, no Sermão da Sexagéssima( ou do Evangelho), pregado na Capela Real no ano de 1665, a oratória cultista dos dominicanos ao afirmar:

“O estilo pode ser muito claro e muito alto. Tão claro que o entendam os que não sabem, e tão alto que tenham muito que entender (aprender) os que sabem... há de tomar o pregador uma só matéria; há de definí-la para que se conheça, há de dividi-la para que se distinga; há de prova-la com a Escritura, há de declara-la com a razão, há de confirma-la com o exemplo; há de amplifica-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias com as conveniências, que se hão de seguir, com os inconvenientes que se hão de evitar; há de responder às dúvidas, há de satisfazer às dificuldades; há de impugnar e refutar, com toda a força da eloqüência, os argumentos contrários; e, depois disto, há de colher, há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há de acabar”.

Talvez aqui esteja o segredo do seu brilho, a chave de seu prestígio, a razão da sua perenidade. Os principais representantes do barroco são Gôngora, Quevedo, Cervantes, Lope de Vega, Calderón de la Barca, Tirso de Molina (Espanha); Tasso, Marino, Guarini, Della Porta (Itália); Montaigne, Pascal, Cornelle, Racine, Boileau (França); Gryphius, Opitz (Alemanha); Sóror Mariana de La Cruz, Hojeda, Balbuena, Caviedas (América Espanhola). Em Portugal, o barroco desenvolveu-se entre 1580 e 1680, cobrindo, portanto todo o período em que o país esteve sob a dominação espanhola (1580-1640). Fortemente marcado pelo cultismo e conceptismo teve como principais representantes: Rodrigues Lobo; Manuel de Melo; Tomás de Noronha; Sóror Violante do Céu; Frei Luís de Sousa; Padre Bernandes; Padre Bartolomeu do Quental e Frei Antonio das Chagas. No Brasil, o barroco manifestou-se na prosa laudatória, na poesia e na oratória sacra e teve como principais representantes: Padre Antonio Vieira; Bernardo Vieira Ravasco; Eusébio de Mattos; Gregório de Mattos; Manuel Botelho de Oliveira; Sebastião da Rocha Pita, entre outros.
É neste ambiente conflituoso, que nasce Bernardo Vieira Ravasco em 1617, batizado em 3 de junho de 1619, sendo filho de Cristóvão Vieira Ravasco, fidalgo da Casa de sua Majestade, descendente da nobre família dos Ravascos e D. Maria de Azevedo, faleceu na Bahia em 20 de julho de 1697, aos oitenta anos, dois dias depois da morte do irmão mais velho, Padre Antonio Vieira, pois encontrava-se há muito enfermo e por isso não foi informado da morte do mesmo.
Bernardo Ravasco foi sepultado na igreja do Convento do Carmo, por debaixo do altar da capela do Santíssimo Sacramento. “Foi dada esta sepultura n’este lugar pela entrega que fez de 50 arrobas de açúcar branco, os quais seriam tiradas do engenho de Cotegipe anualmente do primeiro e melhor, que se tirasse do dito engenho, a qual pensão é eterna e passa a quem possui o dito engenho; para ornato da dita capela, por ser esse o ajuste que se fez e não houve clareza alguma senão bocalmente”. (1) As 50 arrobas de açúcar foram sempre cobradas pelos padres até 1856 ou 1857; o proprietário do engenho excusou-se então a esse pagamento eterno.
Por ocasião do ataque dos holandeses à cidade natal em 1638, destacou-se ao defendê-la, como capitão de infantaria, bem como nos combates da Ilha de Itaparica, contra as forças do general Schkoppe. Passou a exercer o cargo de secretário de Estado e da Guerra do Brasil e feito por el-Rei D. João IV, alcaide-mor da cidade da Assunção do Cabo Frio. (2) Em 1682 teve desavenças com o governador Antonio de Sousa Meneses (1682-1684), e fora preso. Meneses, impulsivo, propenso à violência foi empossado a 23 de maio de 1682, e chamavam-lhe braço de pirata, pela que substituía, pois havia perdido (o direito), 42 anos antes a bordo da nau do conde da Torre, lutando com os flamengos na Paraíba.
Sobre ele escreveu Gregório de Mattos um longo poema satírico, Descrição, Entrada e Procedimento do Governador Antonio de Sousa de Meneses, o Braço de Prata.


Quando desembarcaste da fragata,
meu Dom Braço de Prata,
cuidei que a esta cidade tonta, e fátua.
mandava a Inquisição alguma estátua,
vendo tão espremida salvajola
visão de palha sobre um mariola.

O rosto de azarcão afogueado,
e em partes mal untado,
tão cheio o corpanzil de godolhões
que o julguei por um saco de melões;
vi-te o braço pendente da garganta,
e nunca prata vi com liga tanta.

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Olhos cagões, que cagam sempre à porta,
me tem esta alma torta,
principalmente vendo-lhe as vidraças
no grosseiro caixilho das couraças:
cangalhas que formaram luminosas
sobre arcos de pipa duas ventosas.


Bernardo, embora não tenha sido casado teve com D. Felipa Cavalcante Albuquerque, filhos bastardos: Bernardina Ravasco, Cristóvão Vieira Ravasco (capitão de infantaria nomeado a 8 de junho de 1670, pelo governador Alexandre de Sousa Freire, morreu em combate) e Gonçalo Ravasco Cavalcante de Albuquerque, casado por duas vezes, poeta, que foi soldado e capitão de infantaria, não conseguiu habilitar-se à Ordem de Cristo por lhe faltarem as naturalidades dos avós, além da suspeita da avó moura.
Gonçalo esteve acusado no envolvimento da morte do alcaide-mor da cidade da Bahia, Francisco Teles de Meneses, ocorrido na manhã de 4 de junho de 1683. Este mesmo Gonçalo Ravasco, amigo do poeta Gregório de Mattos, o denunciou, quando este se encontrava refugiado na Ilha de Madre Deus (BA), enviando-lhe uma carta marcando um encontro. No local acertado, o poeta Gregório deparou-se com os guardas do governador João de Lencastre (1694-1702), que o prenderam.
Bernardo Vieira Ravasco deixou numerosa obra poética, em português e castelhano: A Fênix Renascida, ou Obras Poéticas Dos Melhores Engenhos Portugueses (3). Estão presentes nesta antologia vários poetas brasileiros: Bartolomeu Lourenço de Gusmão (um soneto, Vol. I, p. 394); Bernardo Vieira Ravasco, A hum papagayo de Palácio, que fallava muito, Vol. III, p. 254. Esse soneto escrito em espanhol já tinha sido impresso por Babosa Machado, Vol. I, p. 539, no artigo onde dá a biografia desse autor: “teve natural gênio para a poesia que praticou com tanta felicidade que os seus versos conhecidos pela elegância do metro, e fineza dos pensamentos, sem que tivessem o seu nome”. (4)
A segunda poesia, três décimas intitulada: À Senhora D. Isabel Princeza de Portugal havendo morto em Salvaterra hum Javali com hum tiro, aparece aqui impressa pela primeira vez: Glosa a um Soneto, Vol. V. p. 271-275, republicado no Parnaso Brasileiro, de Pereira da Silva. Eccos, que o clarim da fama dá em Postilhão de Apollo, José Ângelo de Morais. Lisboa, Oficina de Francisco Borges de Souza, Ano de 1761. Sob o ponto de vista brasileiro, esta coletânea é muito importante, pois traz poemas de Eusébio de Mattos, Retrato de uma dama, Vol. I. p. 252; Bernardo Ravasco, Oitavas pelos mesmos consoantes aplicando-as a hum cadável, Vol. I. p. 256 e Bertalomeu de Gusmão, Ao doutor Fillipe Maciel, discorrendo sobre jurisprudência, Vol. II. P. 241; Discurso político sobre a naturalidade da Coroa de Portugal nas guerras presentes das Coroas da Europa, e sobre os donos que da neutralidade podem resultar a essa Coroa e como se devem e podem obviar, 1692; Saudades de Lídia e Armido (manuscrito); Descrição Topográfica, civil e militar do estado do Brasil, nunca foi encontrado.


Notas

Catálogo Genealógico das principais famílias, Antonio de Santa Maria Joboatão. Rio de Janeiro: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Vol. LII, p. 497, 1889.

Bernardo Vieira Ravasco foi nomeado a 7 de março de 1650 por D. João, e exerceu o cargo até sua morte. Sendo o mesmo cargo ocupado pelo filho Gonçalo Ravasco, que desempenhou com grande capacidade.

3. Fênix Renascida, ou Obras Poéticas Dos Melhores Engenhos Portugueses,
Dedicadas Ao Excellentíssimo Senhor D. Francisco Xavier de Menezes Conde
da Ericeira do Conselho de Sua Majestade, & c. Publica-o Mathias Pereira da
Silva, V. Tomo. Famosa antologia da poesia barroca portuguesa foi publicada
por Mathias em cinco volumes: 1711, 1717, 1718, 1721 e 1728.


4. Biblioteca Lusitana, Diogo Barbosa Machado, 4 Vols, 2ª ed. Lisboa: S.C.P.,
1930-1935, Vol. I, p. 428, 1ª col.





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