segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O JORNALISTA, AYDANO COUTO FERRAZ

GILFRANCISCO - Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com


Jornalista e poeta baiano, nasceu Aydano Pereira do Couto Ferraz em Salvador a 9 de agosto de 1914. Diplomado em Ciências e Letras, no antigo Ginásio da Bahia e em Ciências Jurídicas e Sociais em 1937 na Faculdade da Bahia, foi um dos integrantes da Academia dos Rebeldes, agremiação literária fundada em Salvador no ano de 1930, da qual faziam parte: Jorge Amado, Édison Carneiro, Guilherme Dias Gomes, Otávio Moura, Sosígenes Costa, João Cordeiro, José Bastos, Dias da Costa, Walter da Silveira e outros. Em 1939, fixou-se no Rio de Janeiro onde se dedicou ao jornalismo, tendo ocupado, entre outros cargos o de editor do O Jornal, durante a segunda guerra, e o de coordenador da redação do Correio da Manhã.
Em 1942 foi técnico em assuntos educacionais do MES e técnico de comunicação Social do MEC. Editou as revistas Educação e Ciências Sociais (1959-1962) e Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (INEP-MEC), ambas em suas últimas fases. Durante a atividade literária na Bahia e no Rio de Janeiro, colaborou no Boletim de Ariel, de Gastão Cruls e Agripino Grieco, na Revista do Brasil (III fase) de Octavio Tarquínio de Souza e Aurélio Buarque de Holanda, na Revista do Arquivo Municipal do Departamento de Cultura de São Paulo (1939-1941), no Dom Casmurro, em Diretrizes, na Revista Acadêmica, em Esfera, Vamos Ler, Convivium, Flama, Seiva e n’O Estado de São Paulo, n’O Estado da Bahia, onde foi um dos seus redatores. Na verdade, Aydano colaborou em quase todas as revistas literárias de relevo ou editadas por jovens, além de trabalhar na editoria de economia e geografia da Enciclopédia Mirador Internacional, figurando naquela publicação como um dos seus assistentes técnicos.
Ainda em Salvador, publicou em 1932 as novelas praieiras Apicuns, no dizer do crítico Carlos Chiacchio “são pequenas represas da água do mar, escondidas entre as matérias, a fulgurarem sob o sol, como uns(“ rostos de jóia sempre pulverizada e sempre recomposta...”) Aos seus vários trabalhos de ficção, novelas, no melhor dos títulos, chama-lhes de Apicuns, Aydano Ferraz. Desde logo é de ver que se trata de um escritor regionalista. A vida pitoresca dos praieiros enche-lhe as páginas de surpresas ingênuas, observações felizes, tocantes enredo. É um desfile tranqüilo de tipos do mar. Do mar – encantamento e perdição dos pescadores. Do mar – poesia e tragédia dos namorados. Do mar – alegria e esperança dos poetas. Quando se abrem, as primeira folhas datilografadas dos Apicuns sente-se já que um pintor de marinhas está ali a nos surpreender com as suas distancias verdes de águas e os rebuliços brancos de espumas nas praias.”
Em 1935, Aydano lança o livro de poemas Cânticos do Mar, onde o jovem poeta idealista traça um panorama da realidade. Apaixonado pelo mar, contemplativo “que, mesmo na hora mais trágica por que já passou a humanidade, não cora ao afirmar”, segundo o amigo Édison Carneiro:

Esta aletria de rever o mar sem tempo para a contemplação.
De vê-lo serenamente enquadrado no horizonte,
limpo de velas, de mastros e de ruído das dragas do porto.
- Um mar soberano, sem a vassalagem das ondas...
Afastado durante bastante tempo da seara das letras, para dedicasse ao Partido Comunista, publica em 1983 mais um livro “ Os poemas Perdidos e seu Reencontro” , belos poemas datados da Bahia, 1936, do Rio de Janeiro, 1938 e outros de Brasília, 1983, onde vamos encontras a presença do mar da Bahia, do amor e da esperança. São poemas românticos, afetivos cheios de intensidade. O seu amor aos homens, à justiça e à liberdade, esteve sempre presente em seus textos.
Portanto, Aydano Pereira do Couto Ferraz se realizou amplamente como jornalista, foi diretor de jornal e revistas, mas sobretudo poeta. Teve em vida duas grandes vocações a poesia e a política. E assim ficou a vida inteira, fiel à sua condição inicial, à sua primeira vocação.

A poesia não morre.
Si uns poetas fazem títulos
e abandonam a musa num canto de redação
é natural que ela fuja e se revele adiante.
De manhã outros poetas recolherão a poesia
andando nas ruas calmas
como ela andava de noite nos tempos do romantismo.

Juntamente com Edison Carneiro e Martiniano Bonfim assinam o prefácio do livro O Negro no Brasil, publicado pela Editora Civilização Brasileira, 1940, resultado dos Anais do 2º Congresso Afro-Brasileiro, realizado em Salvador entre 11 a 20 de janeiro de 1937. Aydano assina ainda neste livro, o texto “Castro Alves a poesia negra da América”. O escritor baiano faleceu em 1985.
Publicações:

Apicuns. (novelas praieiras). Salvador, 1932
Cânticos do Mar. A Gráfica, 1935.
Pequena História da Caricatura no Brasil, 1942.
Os Poemas Perdidos e seu Reencontro. Rio de Janeiros, Editora Civilização
Brasileira/INL, 1984. (texto: Enio Silveira).
A Luta do Símbolo. Belo Horizonte, 1985.

LÁBIOS-ESPELHOS, NOVA LÍRICA DE MARIZE CASTRO

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

LÁBIOS-ESPELHOS, NOVA LÍRICA DE MARIZE CASTRO - O amor e a sexualidade revisitada e revivida

A poesia no Rio Grande do Norte apresenta dois momentos culturais da maior plenitude literária e (anti) literária: a publicação do Livro de poemas da principal figura do modernismo local Jorge Fernandes (1887-1953), em 1927 e o lançamento local da poesia concreta, em 1966, com o seu posterior desdobramento no poema/ processo, tendo Moacy Cirne como principal expressão. O Rio Grande do Norte sempre teve bons poetas: Auta de Souza, Zila Mamede, Palmyra Wanderley, Maria Lúcia Lima de Macedo, Myriam Coeli. A jovem Marize Castro uma das mais importantes poetas, senão a mais representada é figura de proa da moderna poesia norte-rio-grandense. Sua obra tem especial significado na historiografia literária, entre outras razões por ter conquistado um espaço inóspito que predomina as vozes masculinas.
Se a história não escreve poemas de alguma forma é ela que lhes abre a possibilidade de nascer, por meio de circunstâncias e acidentes, valores e representações convencionais, como instrumento histórico de sua poesia. Nos anos oitenta, principalmente no Nordeste Brasileiro encontrava-se a poesia com seus cânones, regras e normas estabelecidas. O rompimento com as amarras poéticas dominantes e a busca de uma palavra menos contaminada se inscreve como necessidade básica de preservação de sua poesia, ante as ameaças.
A publicação de Lábios-espelhos, pela Una, 2009, sua quinta obra poética, procura nunca perder de vista o leitor que se disponha a freqüentá-la. Um livro de 106 páginas e 42 poemas, que convém ler e que confirma a importância da boa poesia norte-rio-grandense. Madura e consciente de sua missão poética, nada se perdem em seus versos curto e conciso. Ao definir sua obra, Nelly Novaes Coelho diz ser “sua linguagem, oscilante entre prosa e poesia, nutre-se dos principais mitos e musas da literatura ocidental, tal como os ventos da pós-modernidade o vem exigindo”.
Sua obra é um processo em construção, com um modo único de fazer poesia. Uma poesia suave, serena que se chama amor, para acalentar as camas vazias, as bocas silenciosas, os corpos trêmulos, os olhares oblíquos e as mãos envelhecidas. Uma poesia para quem precisa de um sonho, para todos que trazem uma dor profunda do peito. Porque a dor está em tudo, espalhada por todos os cantos do planeta, por todos os cantos de nós. Os sentimentos mudam, mas a dor persiste.
Observar, analisar um texto literário é investigar as suas características estilísticas, porque cada autor desenvolve técnicas próprias e revela uma particular concepção de mundo. Marize Castro produz uma poesia curta, rápida, direta, incisiva, impactante, com grandes momentos luzentes, com fonte de luz em meio às sombras da ausência. A presença do erotismo recorrente em sua obra, agora ressurge com força singular que traduz expressivamente com a magia criadora que lhe é peculiar. Uma poesia do desejo, do amor, erguida pela dor como meio de aliviar a árdua vivência de uma paixão. Marize retoma aos temas mais comuns aos humanos e mais uma vez, exercita sua poética transparente de perdas luminosas, que transitam entre o amor e a ausência. Nesse mundo subjetivo, tudo ganha vida, tudo é cor, sem concessões.
Os poemas de cada novo livro publicado por Marize Castro abrem as portas de uma viagem cheia de encantos, fundamental para se entender a obra lírica marizeana, nos desvendando toda a sua força rítmica e expressiva. A autora tem o poder de levar consigo o leitor para dentro do universo de cada poema, oferecendo-lhe situações que conduzem direto ao âmago do ser humano. Enfim, Lábios-espelhos, poesia de fino afeto que mergulha nas possibilidades internas da linguagem, conduzindo o leitor moderno para aquele mundo de sonho onde o princípio da realidade é dominado pelo princípio do prazer.
O amor e suas múltiplas formas de manifestação são apresentados: a mulher, sua beleza e atração, a carne e o desejo, percorrem toda sua obra, multiplicando-se em imagens e figuras de linguagem que lhe dão consistência e permitem com os quais construírem sua visão da mulher e do sentimento amoroso, especificamente o poema “Lábios-espelhos” que se propõe como se fora um ritual próprio da ocasião, onde a corrente se estabelece e a comunicação se faz, para que a emoção se ritmasse em verso e se exteriorizasse em poesia. Portanto, o amor, a atração dos corpos não precisa justificar, tem seu próprio sentimento de completude, às vezes, amor e desejo de algo que se quer e não se tem, como se ver em Platão, ao buscar a definição de amor.
Um exame mais atento da poesia de Marize Castro mostra que o sentimento erótico tem nela um lugar importante. Embora às vezes esse sentimento se apresente dentro de um clima de tristeza e ternura. Senhora da situação, liberta das imposições para se entregar à poesia de verso livre em pacífica convivência com o equilíbrio e sabedoria, livre da tutela, a poeta atinge o ponto máximo de amadurecimento e a conquista da harmonia. Aqui, tanto a distância como a idealização da mulher amada se materializam nos afetos da saudade.
Assim é Lábios-espelhos, de Marize Castro, uma experiência decisiva de segredos, fantasias e inquietações, desvendadas pela autora que navega por dentro das veias abertas dos sete sentidos. Uma poesia femina, sáfilica, bilitisana que se faz carne, sangue e brota do próprio corpo ferido pela chama. Em lugar dos frutos do ventre e dos produtos de suas mãos laboriosas, mostram a entrega das amadas entre si, as ternuras do coração, das quais os homens por desatenção continuam excluídos. E num desabafo exclama: a poesia não é só adorno, artifício literário; pode ser também testemunho de vida autêntica. Não é só sentimentos, é também reflexão, raciocínio, desejo de compreender e não apenas sentir.

Dois poemas de Marize Castro

Devolva-me

Devolva-me a cólera, a lanterna mágica,
que transportei comigo enquanto te amei.
Devolva-me a morte, a doença, a saúde,
o caos, o cais, as âncoras, o segredo,
teus ataques me deixaram forte
teus gozos me atingiram a alma
me fizeram odiar o amor.
Devolva-me a fantasia, as árvores sólidas
plantadas à margem de um delicado homem
que caminhava certo para a sabedoria dos pássaros.
Devolva-me o néctar, o túmulo dos milagres
a liberdade dos escândalos, os bosques, a lei da botânica,
a letargia da não-paixão,
o doce repouso nas águas da noite.

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Lábios-espelhos

Espere-me lá fora.
Ainda não estou pronta.
Esqueci meu colar de estrelas
Meu kimono
Minha zori
Meus adereços de gueixa.
Minha língua te recompensará.
Ela (esfomeada) saciará tua fome.
Ela (sedenta) te levará ao leito
mais próximo.
Ela (saliva e cristal) revelará o enforcado
- seu destino, sem nome.
Espere-me lá fora.
Aqui há um naufrágio púrpuro,
um rio de mel que corre entre lábios-espelhos.
Dele, sou filha.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

MORRE O POETA ILDÁZIO TAVARES

GILFRANCISCO, jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com


Por solicitação do editor chefe do Caderno B (Variedades), da Tribuna da Bahia, Jolivaldo Freitas fui designado a escrever uma matéria de página sobre o poeta “Ildázio Tavares e a poesia da realidade”, publicada na edição de 7 de dezembro de 1987, ilustrada por seu amigo Caribé. A matéria tinha como enfoque a trajetória do poeta e seus novos projetos para a literatura baiana. Esta semana fui surpreendido com um e mail da professora e poeta baiana, Maria da Conceição Paranhos, que comunicava a morte do poeta irreverente.

Aos 70 anos, faleceu dia 31 no Hospital Jorge Valente, em Salvador, onde estava internado desde o dia 27 de outubro, vitima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Ildázio Marques Tavares natural da Fazenda São Carlos, hoje cidade de Gongogi, região do cacau da Bahia, em 25 de janeiro de 1940. Filho de Eduardo Tavares e de Hilda Marques Tavares, mora em Ubatã até os 4 anos e de lá muda-se para Feira de Santana onde permanece até os nove anos, quando fixa definitivamente residência em Salvador. Na cidade de Tomé de Souza conclui sua educação primária e secundária, ingressando aos 18 anos na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, onde exerce suas primeiras atividades literárias, publicando artigos, contos e poemas em revistas e jornais acadêmicos local, de outros estados e do exterior, tendo poemas seus traduzidos para várias línguas
Em 1969 conclui o curso de Letras Vernáculas e língua estrangeira na UFBA, seguindo carreira como professor de Literatura, tendo feito o Mestrado na Southern Illinois University, o Doutorado na UFRJ e um Pós-Doutorado na Universidade de Lisboa. Foi tradutor e professor de inglês e literatura americana durante 19 anos. Ildázio viveu alguns anos fora do Brasil tendo sido professor visitante em universidades norte-americanas.

Tendo participado de inúmeras antologias de poesia e contos, gênero que praticou com grande desenvoltura, pertenceu à geração da Revista da Bahia, (sendo editor-Adjunto, em sua 2ª fase, nº8, março/1988) juntamente com outros autores baianos, como Cyro de Mattos, Marcos Santarrita (sergipano), José Carlos Capinan, Fernando Batinga, Alberto Silva, Rui Espinheira Filho, Carlos Anísio Melhor, Nélson de Araújo (sergipano) entre outros. Publicou seu primeiro livro de poesia, Somente um Canto, em 1968 e continuou publicando livros de poesia e de prosa (romances, teatro e ensaios). Como compositor da música popular brasileira teve mais de 50 músicas gravados por Vinícius de Moraes, Maria Bethania, Maria Creuza, Alcione, Toquinho, Nelson Gonçalves, Antonio Carlos e Jocafi. Entre os seus parceiros estão Baden Powell, Vevé Calasans, Gerônimo, e Carlinhos cor das Águas.

Conhecido Por seu humor fino e mordaz, Ildázio publicou 42 livros, sendo 15 de poesia. Vejamos alguns títulos:
Somente um Canto (1968)
Imago (1972)
Ditado (1974)
O Canto do Homem Cotidiano (1977)
Poemas Seletos (1977)
Tapete do Tempo (1980)
A Ninfa (1993)
Odes brasileiras (1998)
Nove sonetos da Inconfidência (1999)
Flores do Caos, sonetos (2008)


Ao longo de sua trajetória, Ildázio Tavares recebeu uma série de prêmios e títulos por seu trabalho como tradutor, ensaísta e poeta. Foi o autor da ópera afro-brasileira “Lídia de Oxum”, com música do maestro Lindembergue Cardoso, levada às margens da Lagoa do Abaeté, em Salvador, para um público de cerca de 30 mil expectadores.

Salve as Folhas
Letra Ildázio Tavares
Música: Gerônimo
Intérprete: Maria Bethânia (CD Brasileiro)

Sem folha não tem sonho
Sem folha não tem vida
Sem folha não tem nada
Quem é você e o que faz por aqui
Eu guardo a luz das estrelas
A alma de cada folha
Sou aroni
Cosi euê
Cosi orixá
Euê ô
Euê ô orixá
Sem folha não tem sonho
Sem folha não tem festa
Sem folha não tem vida
Sem folha não tem nada
Eu guardo a luz das estrelas
A alma de cada folha
Sou aroni

Fortuna Crítica

Seus versos, que eu sei e percebo trabalhados minuciosamente, são, não obstante o seu apuro técnico, tão maravilhosamente simples, que parecem, em muitos casos, recolhidos de um cancioneiro popular. A sátira – excelente – é conduzida com maestria e imaginação e, realmente acho que você fez um belo e duradouro livro sobre a grande batalha do dia a dia. Como lhe disse pessoalmente, os beletristas não vão gostar, se bem que naturalmente, eu não esteja com isso querendo chamar todos os que não gostarem de beletristas.
João Ubaldo Ribeiro
Sobre o livro O Canto do Homem Cotidiano, 1977
***


Onde o poeta, com economia de palavras, disse tanto, não cabe ao prefaciador escrever demais. Em Ildázio Tavares, com Imago como com este Ditado, é fácil conhecer e compreender a alta qualidade do poeta. Em primeiro lugar, pelo domínio da arte poética, na linguagem de síntese que é sua essência. E ainda pela capacidade de, nessa linguagem, praticar aquilo que Brecht ensinou: as diferentes maneiras de dizer a verdade.
Nélson Werneck Sodré
Sobre o livro Ditado, 1974

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Ildázio Tavares, poeta, contista, ensaísta, compositor, não é um estreante nem uma promessa, seu nome já se fez conhecido e transpôs os limites estaduais há bastante tempo. Por outro lado, sua presença no meio intelectual baiano é permanentemente catalítica: Ildázio está presente e atuante nos diversos setores da jovem cultura que ali nasce e se afirma – não se deve esquecer, para citar apenas um exemplo, sua ligação com a dupla de compositores Antonio Carlos e Jocafi,sendo co-autor, letrista de várias das composições dos moços de tanto sucesso.
Jorge Amado
Posfácio do livro Ditado, 1974
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Num de seus versos, ele diz: “Há pedaços de minha vida em toda parte”. Neste papo, tentou-se recolher, através de sua palavra, esses instantes, pedaços de seu agora e do seu ontem. A infância sim, o menino a olhar para um catavento colorido, solto nas ruas de Feira de Santana, fantasiado de pierrô, lança-perfume à mão e nos olhos dos passantes, Rodouro do Brasil segundo era de bom tom. Já não se faz micaretas como antigamente. A trajetória do poeta, do letrista de música popular, do autor teatral, enfim do romancista. E do homem. Seu tempo de procuras e descobertas. Um olhar sobre o passado, um guardado gesto de rebeldia, uma reflexão: 1968 vai fazer 20 anos. Já não é tão jovem pra medir conseqüências. Mas abre o coração.
Guido Guerra
Entrevista ****

Ildázio Tavares é um inventor, um catalisador de imagens, um mestre que faz com que a explosão poética nasça de seu ar de conversa e seu ar de silêncio, pois percebeu “de sol em sol, que a luz é fosca”. E vem esse êxtase, este levantar da palavra no redemoinho mágico dos períodos-versos, entre elos que estremecem. O percurso é o da fala descontraída, monologadora, para a linguagem. O que desencadeia esse elo explosivo ora é uma pergunta, ora uma resposta, ora uma centelha rodeada de coisas-infância, ora debruçar-se sobre a própria criação, ou certo pavio atiçado na pólvora da realidade.
Carlos Nejar
Sobre o livro Odes Brasileiras 1998

O REBELDE ALVES RIBEIRO

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com


José Alves Ribeiro nasceu em 11 de maio de 1909, na fazenda “Caldeirão Coberto”, município de Camisão, hoje Ipirá (onde nascera seu conterrâneo o ensaísta, tradutor e crítico literário, Eugênio Gomes, 1897-1972), situada na Mesorregião Centro-Norte Baiano, a mais de 100 km de Salvador, na qual seu pai era vaqueiro. Em 1912 seu pai foi despedido da fazenda, mas a essa época já havia adquirido um sitio nas matas do município vizinho, Baixa Grande, tendo deixado de trabalhar como empregado progrediu bastante, a ponto de ascender em poucos anos num modesto pecuarista.
O jovem Alves Ribeiro, filho de Laurindo Ribeiro e Maria Alves Ribeiro, na época o caçula da família, aprendera a ler sem freqüentar a escola. Além de ajudar os pais e os irmãos mais velhos nos trabalhos da lavoura, plantando e colhendo cereais, lia avidamente o que lhe chegava às mãos. À noite sob a luz de fifó (candeeiro), lia para os trabalhadores nas farinhadas: A história do Imperador Carlos Magno e Os Doze Pares de França, livro obrigatório nos serões da zona rural. Somente mais tarde, pode freqüentar a escola pública da sede do município.
Em dezembro de 1920 realizou sua primeira viagem à Salvador, juntamente com seus pais, e na capital baiana deixaram o caçula com seu padrinho, o coronel José Presídio Figueiredo, pai do jornalista Joel Presídio, onde concluiu no ano seguinte os estudos primários, no Colégio Pedro II. O curso ginasial foi iniciado no Carneiro Ribeiro (situado na ladeira da Soledade, próximo a Lapinha) e concluído no Ginásio São Salvador (situado na rua J.J. Seabra, Barroquinha).
Das doze disciplinas cursadas, exigidas na época ficou na dependência de suas: álgebra e geometria, por isso abandonou temporariamente os estudos, para reiniciá-los em 1930, quando foi beneficiado por um Decreto-Lei do governo da Revolução de Outubro, que considerou base de aprovação estudantil, sua freqüência, o que lhe possibilitava dispensa das referidas matérias, e assim poder fazer exames de admissão à Faculdade de Direito da Bahia, em principio de 1931.
Os longos anos em que passara em companhia do padrinho Presídio tiveram uma importância muito grande na formação de seu espírito, e certamente em sua orientação intelectual. Ali desenvolveria o interesse pelas leituras, o que acompanhou por toda a vida. Em sua nova residência encontrara muitos livros que os decoraria com avidez, onde iniciando sua atividade literária, com as primeiras colaborações na imprensa carioca na revista ilustrada, O Malho, que circulou a partir de setembro de 1902 a janeiro de 1954, e em Salvador na revista, A Luva (1925-1932), onde aparecem seus primeiros versos, muitos deles inéditos, constituídos nos moldes simbolistas, fariam parte dos volumes “Nirvana” e “Noivo da Morte”, cujos originais foram consumidos pelo DEIP (Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda), órgão da Policia Política do Estado Novo, além do volume de ensaios “Tendência do Espírito Moderno” e seu arquivo particular dos trabalhos publicados (crônicas, poesias, criticas de livros, artigos literários e políticos) em jornais e revistas.


A década de 20, aliás, e uma boa parte da seguinte, foi para Alves Ribeiro ativa em sua vida intelectual. É de 1928 o lançamento da primeira revista modernista baiana, ligada aos Poetas da Baixinha, Samba – Mensário Moderno de Letras, Artes e Pensamento (nov. 1928), onde publica o manifesto “Samba”. É o ano da fundação com um grupo de outros jovens, da Academia dos Rebeldes (1928-1932), se fez presente no único número da revista modernista baiana “Meridiano” – Revista de Vanguarda (nº1, set. 1929), com três textos “A arte de desagradar” entrevistando Pinheiro Viegas e “Poema instantâneo”, ambos assinados, além do editorial manifesto da revista. Segundo depoimento de Jorge Amado, amigo e companheiro do poeta confirma sua autoria em artigo publicado no jornal A Tarde, edição de 29. jun. 1975: “Alves Ribeiro – o hoje ilustre juiz do Tribunal do Trabalho Doutor José Alves Ribeiro – no primeiro número da revista Meridiano, órgão dos Rebeldes, em editorial não assinado mas de sua exclusiva autoria, traçou os rumos de sua literatura de sentido universal porque plantada na realidade da vida brasileira, na tradição e no caráter original. Teorizando sobre criação literária no Brasil, o ensaísta adolescente opunha aos modismos europeus que dirigiam os movimentos ditos modernistas (em contraposição a elas, nós, os Rebeldes, nós afirmávamos modernos e não modernistas) uma literatura de problemas, temas, forma e seguimento brasileiro, resultando desse conteúdo nacional sua expressão universal”. Dissolvendo a Academia dos Rebeldes, cada um dos integrantes do grupo, tomou seu próprio rumo, e Alves Ribeiro afastou-se das letras. Durante algum tempo dedicou-se a advocacia, sendo nomeado a suplente do Conselho Penitenciário do Estado, em seguida contratado como professor de criminologia do curso de comunicação da Faculdade de Filosofia. Posteriormente por concurso ingressa na Justiça do trabalho, como Juiz da 5ª Região, sediada na Bahia de cuja Corte exerceu mais de uma vez a presidência.

Entre 1975/1976, conservando um das suas antigas características de rebelde, Alves Ribeiro publica por conta própria, para distribuir entre os amigos numa edição bastante simples (econômica), sem nenhuma referência sobre o autor, dois pequenos livros de poemas: “Sonetos de maldizer” (vinte poemas) e “Sonetos de bendizer” (dez poemas), pequena amostragem insuficiente para conhecer de sua obra poética. Apesar de escolher uma forma poética antiga, o soneto predominou no Classicismo e no Parnasianismo, foi cultivado por poetas de todas as épocas. Em geral, ele contém um tema tratado de maneira condensada, daí o efeito sobre o invulgar” leitor, Entretanto, esta escolha foi onde ele encontrou a forma mais exata para dimensionar seus sentimentos. Em ambos os livros, conseguem transmitir uma mensagem lírica em forma nova, onde a beleza é essencial. Sobre os livros comentar Jorge Amador na época da publicação: “são sonetos de amor da mais alta qualidade, de uma perfeição, de um oficio raros, cortados por um sopro lírico.
Poeta, cronista e ensaísta, Alves Ribeiro era o grande líder da Academia dos Rebeldes, aquele que soube realmente abrir novos caminhos para os companheiros. Colaborou em diversos periódicos: A Luva, Etc., Meridiano, O Momento, O Estado da Bahia, Diário da Bahia, Flama, A Noite, A Bahia, Diário da Tarde (Ilhéus) e em outros Estados. No Rio de Janeiro, colabora em vários periódicos: Dom Casmurro, Boletim de Ariel e O Malho. Faleceu em 27 de janeiro de 1978.


Livros Publicados:

Homenagem a Alves Ribeiro (João Cordeiro). Salvador, Edições da Academia dos Rebeldes, 1931.

Sonetos do Maldizer (20 Sonetos). Salvador, Gráfica da UFBA, 1975.

Sonetos do Bendizer (10 Sonetos). Salvador, Gráfica da UFBA, 1976.

A Cinza do Tédio (Inédito)

***

A Lição do Mar

Alves Ribeiro

Poeta, si queres aprender o sentido da vida,
aprende, primeiro, a interpretar a lição do mar.

Quando te sentires vencido pelo cansaço e pelo desânimo
para as grandes lutas do espírito,
e a terra te parecer inútil e pequenina para o teu sonho,
e os homens todos, uns vermes insignificantes,
- quando tiveres perdido, em suma, o gosto de viver, -
vai procurar o mar e mira-te em suas águas.
Ele é o símbolo do movimento, que não pára, da vida, que não pára.

Poeta, si queres ser grande e ser perfeito,
dá a teus versos o ritmo das ondas do mar.
Ele é a semente de toda criação,
é a própria fonte da vida,
porque toda vida vem do mar.

O mar é o grande mestre da vida:
a atração de suas moléculas
é o exemplo vivo da união e da força,
sem o que é impossível, na terra,
a conquista da felicidade entre todos os homens.

Por isso é que se compara a multidão ao mar.

Poeta, se queres aprender o sentido da liberdade,
aprende, primeiro, a interpretar a lição do mar
(e os poetas sempre foram os grande precursores da liberdade,
porque aprenderam a cantar inspirados na música do mar
que é a música da liberdade).

O mar é o princípio da libertação:
de sua contemplação é que nasceu o sonho dos primeiros navegantes e
[dos primeiros revoltados
em busca de novos mundos e de novas formas de vida,
em que os homens pudessem ser mais felizes sobre a terra.

Poeta, si queres aprender o sentido da vida e da liberdade,
aprende, primeiro, a interpretar a lição do mar.

Aracaju. Época, Ano I. nº 2, out/nov. 1948.

domingo, 7 de novembro de 2010

O REBELDE JOÃO CORDEIRO (1905-1938)

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

João Cordeiro me faz recordar a fase mais interessante da minha vida. Nós éramos uns garotos e fazíamos, sob as ordens de Pinheiro Viegas, a parte de pasquim da literatura baiana. Tínhamos uma Academia dos Rebeldes, que amávamos apesar de todo o ridículo que a cobria. Tentamos fazer o saneamento intelectual da boa terra.

Jorge Amado


***

Pertencente a Academia dos Rebeldes (1929-1931), tendo como companheiros Jorge Amado, Edison Carneiro, Dias da Costa, Sosígenes Costa, Da Costa Andrade, Alves Ribeiro, Pinheiro Viegas, Guilherme Dias Gomes, Walter da Silveira, José Bastos, Aydano do couto Ferraz e outros. A agremiação literária fundou duas revistas: Meridiano (1929) e O Momento. (1931-1932).

Nascido em Salvador a 2 de março de 1905, o romancista faleceu nesta mesma cidade a 7 de abril de 1938, era filho de João da Cruz Cordeiro e Maria Elvira de Castro Cordeiro. Em Salvador a família morava à Rua Nova de São Bento, 60 e tinha os seguintes irmãos: José, Aryval, Dyla e Ilza. Como membro da Academia dos Rebeldes, colaborou em vários periódicos: O Jornal, Etc., O Momento, Boletim de Ariel, entre outros.

A publicação de Corja, que deveria se chamar “Boca Suja” foi uma grande revelação nos meios intelectuais do país. Um romance que marcou uma afirmação de talento e independência espiritual, uma literatura fora dos preconceitos sociais e do pieguismo doentio da época. João de Castro Cordeiro escreveu um romance realista, dinâmico e livre, sem o carrancismo gramatical e as preocupações pronominais, em franca decadência da própria evolução da língua, que veio para marcar uma época.
Considerado um dos espíritos brilhantes da mocidade inteligente da Bahia, João Cordeiro inicia seu romance, descrevendo um grande incêndio no Terreiro de Jesus, onde numa fogueira enorme arde em montões de cinzas, a velha faculdade de Medicina. Enquanto este acontecimento abalava a população sobressaltada, no Campo Grande, uma pobre mulher, se estorcia de dores, num parto complicado. E Assim nascia, entre as chamas dos sofrimentos maternos, e as labaredas de um grande incêndio – Policarpo – esse grande herói, de João Cordeiro, o tipo do boêmio meio maluco, meio cínico e meio sentimental, como caracterizou Édison Carneiro.
O crítico Agripino Grieco se referindo à construção do livro diz: “O lado baiano do romance, com o aspecto popular de ruas e becos, noitadas boemias e cenas de tascas, soube o autor detê-lo em instantâneos vivazes, colhendo no vôo as notas típicas de algumas vidas prosaicas ou inquietas. Sente-se o pendor para desfigurar satiricamente as personagens da política ou do clero, que evidentemente detesta, mas a morte de Luciano, o noctâmbula que tem o nome do belo herói de Balzac, emociona os leitores, dando ao volume um bocado de poesia azul, que o Sr. João Cordeiro, envergonhado talvez dos seus cinco minutos de romantismo, se apressa em desfazer, pondo a amante do morto as velas com um sucesso imbecil”.
A sua vida de menino traquina, cheias de maldades inocentes e aventuras atrevidas, muito cedo perdeu seu pai, ficando a viúva numa pobreza franciscana. Na escola de dona Xandoca pintou o sete, sendo logo expulso por indisciplina. Internado no Liceu, como aluno gratuito, era obrigado a escolher um oficio, o que prontamente preferiu o de tipografia. Com um ano de Liceu suportou toda sorte de humilhação e sofrimentos, fugindo numa noite para casa de sua amante, “Minha Negra”.
Em seguida se matricula na escola do professor Posidônio Coelho, um dos mestres mais afamados do seu tempo, abandonando os seus antigos amigos, divertimentos para somente nos livros encontrar conforto. Essa nova etapa em sua vida duraria pouco tempo, pois ficou impossibilitado de continuar os estudos por questões financeiras, resolveu empregar-se como caixeiro da Livraria Carangugi. Com dinheiro no bolso, Policarpo se iniciava na realidade na vida, com uma estréia das mais desastradas. Mesmo com todos os seus sofrimentos, se julgando feliz, inicia-se com a amante nas farras e se envolvendo em escândalos e conseqüentemente na perda do emprego.
Aconselhado por seu tio, Dr. José Praxedes, seguiu para o Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar em seu escritório de advocacia. Na capital federal, após envolvimentos com outras mulheres, senti-se desiludido da vida, do mundo e das mulheres, restando-lhe retornar a velha Bahia, de coração arruinado e envelhecido. Tempos depois retoma a vida boêmia. Agora, na qualidade de funcionário público, somente comparecia a Repartição no fim do mês para receber os vencimentos. O livro termina com a regeneração completa de Policarpo (herói bem representado: mal educado, revoltado, pornográfico, pois seu nome em criança era Boca-suja), casado, feliz e já sem saudade da sua grande vida de boêmio.
Corja, publicado em 1934 no Rio de Janeiro pelo editor Galvino Filho com texto de apresentação de Jorge Amado é um romance de emoção, de grande fôlego, que segundo Édison Carneiro, “o seu romance terá um sentido marcadamente revolucionário. Em vez do Policarpo Praxedes palhaço da burguesia, teremos neste novo romance de João Cordeiro a visão exata, e por isso mesmo cruel, da humanidade que se definha nas salgadeiras, nos trapiches, nos armazém das docas, para pagar com o seu suor as amantes, as bebedeiras e os palácios dos capitalistas”.

VINTE E SETE DE MAIO, OITENTA E SETE

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com
Pequeno. Vivo o olho segue o traço,
a união, o verso, a trama, a história,
a pupila corusca, agita-se a memória.
Gilfrancisco palmilha tempo e espaço:

e os percorre sem pressa, passo a passo
enquanto ao lado deita toda a escória
e medita o fracasso e colhe a glória
que analisa e examina. O estardalhaço

não perturba sequer o seu sorriso
jovial e até mesmo rubicundo
que ele sabe explodir quando é preciso.

E assim, na alegria, vence o mundo,
tantas letras e letras. De improviso,
Dá-lhe um soneto o poeta vagabundo.

Bahia, 27. maio. 1987



Ildázio Tavares (1940-2010)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

SOLIDÃO E ANGÚSTIA NA OBRA DE RAUL POMPÉIA

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

Autor do romance O Atheneu que completou 125 anos de morto é a revelação da solidão de uma alma poética e angustiada, dentro de uma sociedade impossível e cruel. Republicano e abolicionista, Raul Pompéia pelo consenso da crítica e consagração do público, com este livro firmou-se como um dos maiores romances brasileiros, fugindo aos quadros do Naturalismo e do Realismo, tal como eram praticados entre nós, para inaugurar a prosa impressionista em nossa literatura. A Editora Cultrix acaba de reeditá-la numa belíssima edição, preparada pelo professor Francisco Maciel Silveira da USP, além do texto integral, com ilustrações do próprio autor.
***
Realismo que se confunde em vários aspectos com o Naturalismo designa toda tendência estética centrada no real, e suas origens situam-se na França pela segunda metade do século XIX. Os realistas preconizavam um enfoque objetivo do mundo, em oposição ao subjetivismo romântico e para tanto propunham substituir o sentimento pela razão ou pela inteligência, o egocentrismo romântico pelo universalismo científico e filosófico. O Realismo não foi apenas uma doutrina estética definida na França, com a pintura de Courbet e o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert (1821-1880), tanto quanto o Classicismo e o Romantismo foi uma revolução cultural de amplo e profundo sentido. Esta se definiu antes de tudo, por uma atitude do homem por uma nova concepção densa realidade. Definidas as linhas da revolução no campo cultural e política, através de obras de pensamento e de ficção, ele se espalhou dominando os espíritos, em grande parte da Europa.
A produção literária e intelectual nesta época no Brasil era pobre e os artistas vinham de diferentes classes sociais uma consonante com as tendências modernizadoras e outras decadentes. Devido às suas posições radicais, Raul Pompéia foi influenciado pelas leituras de políticos e pensadores europeus em voga, e dos romances Realistas e Naturalistas. Desta forma, iniciou nas letras assumindo uma participação consciente nos acontecimentos do país, emprestando seu talento de jornalista e panfletário, onde esta sua verdadeira vocação, ao contrário da advocacia, que nunca despertara nenhum interesse. Este ardente espírito revolucionário vem desde os anos acadêmicos, onde firmou entre os colegas e na imprensa posição bem nítida de ardoroso adepto e propagandista das idéias progressistas da sua geração, quer no campo político (republicanismo e abolicionismo), quer no campo intelectual e estético.
Raul D’Ávila Pompéia nasceu em Jacuecanga, município de Angra dos Reis, a 12 de março de 1863 no Estado do Rio, transferindo-se com a família dez anos depois para residir na Corte, onde estuda como aluno interno no Colégio Abílio. Época em que demonstra dote de caricaturista e de escritor, no redigir e ilustrar o jornalzinho Archote, onde satirizava os alunos do internato. Em 1879, transfere-se para o colégio D. Pedro II e dois anos depois viaja para São Paulo, a fim de matricular-se na Faculdade de Direito, e lá participa das campanhas abolicionistas e republicanas, passando a colaborar em vários jornais. Militante pela renovação de idéias na vida brasileira, desempenhando um autêntico papel pelo sentimento da realidade social, através da imprensa brasileira: A Rua, Diário de Minas, A Notícia e Jornal do Comércio. Seu desempenho na luta revolucionária, ao lado de Luis Gama, Antonio Bento e outros, causaram-lhe a reprovação na Faculdade, mas em compensação torna-se redator-chefe do Jornal do Comércio e vê-se obrigado a transferi-se para Recife, a fim de concluir o curso. Diplomado, retorna ao Rio de Janeiro para dedicar-se a literatura e ao jornalismo.
A partir da instalação da república, o romancista exerce cargos de confiança: Secretário e Professor de Mitologia da Escola de Belas Artes em 1891, Diretor do Diário Oficial e da Biblioteca Nacional em 1894. Com a morte do Marechal de Ferro no ano seguinte, foi exonerado do seu cargo no primeiro despacho do Presidente Prudente de Morais, em virtude de ter ele feito um discurso violento no cemitério São João Batista, quando foi inaugurado o mausoléu do Floriano Peixoto, no qual desacatou o Presidente da República. Esta atitude de Pompéia serviu de pretexto para que Luís Murat escrevesse o artigo Um louco no cemitério, onde insulta e condena a exoneração do escritor. Sua resposta esclarecendo sua posição sobre os acontecimentos é imediata, mas nenhum dos jornais em que colaborava quis publicá-la, emendo comprometimentos. Devido às perseguições e calúnias sofridas, o escritor resolve por fim à vida aos trinta e dois anos, em 25 de dezembro de 1895, deixando uma nota encaminhada ao jornal A Notícia, onde se declarava ser um homem de honra, sepultando consigo as ardentes revoltas, anseios e inquietudes de um grande nacionalista.

O Ateneu começa no momento em que o jovem Sérgio, franqueia a porta do colégio e termina mais ou menos dois anos depois na contemplação do edifício, sendo devastado pelo incêndio. É neste castelo fantasmagônico ou colégio-fortaleza, onde todos os fatos se desenvolvem, com sua descrição minuciosa, e este desenlace, tal um fim violento de tragédia, é uma vingança e uma definitiva autodestruição do Ateneu. Publicado em 1888, são relatos sobre o meio em que o romancista viveu hostilizado e torturado, onde nunca se identificou com tais imposições e rebela-se expressando suas idéias com segurança e firmeza surpreendente. O Ateneu é a vida psicológica dos internos do Colégio Abílio, dirigido por Abílio César Borges – Barão de Macaúbas, especificamente uma vingança contra o seu internamento involuntário, contra os dirigentes da instituição, contra todo o processo educativo estabelecido, não só neste internato, mas referindo-se a sociedade conservadora brasileira.
Esta obra-prima, consagrada pela crítica e público, é marco do romance brasileiro, é sem dúvida uma vingança pessoal, pois existiu dentro de si, algo bem escondido, indecifrável e nunca revelado, talvez em conseqüência de não possuir amigos. Este romance tem representado um desafio à crítica brasileira: José Veríssimo o considerou naturalista; Silvio Romero o aproximou como simbolista; Araripe Junior enveredou para a área do romance psicológico e Agripino Grieco descobriu o impressionismo em sua prosa. O Ateneu não registra apenas uma experiência autobiográfica, mas uma experiência nacional: a do colégio como um pequeno mundo infinitamente social, onde o internato é o reflexo desta sociedade e por isto espalha para si, todos os privilégios hierárquicos fundados do poder econômico e na injustiça social.

Portanto, este romance é uma experiência coletiva, onde o autor retrata a sociedade brasileira do segundo Império, desvendando todos os fundamentos das conexões,entre sua infra-estrutura e suas instituições. Graças a sua grande sensibilidade, construiu um romance impar em nossa literatura, que não apenas revive ressentidas lembranças de um internato masculino, mas seus pequenos dramas e inquietações, acentuadas por feminina morbidez. O Ateneu é um dos maiores livros das nossas letras, mas devido à miséria da nossa cultura, a escassez da bibliografia crítica sobre o autor é significantemente contrastante, em relação aos estudos sobre outros autores de importância infinitamente menor. Qualquer que seja o aspecto no que se deseja estudar sua obra, o que interessa mais talvez, esteja sob o signo da confissão do autor, e ninguém melhor do que ele, para demonstrar o prisioneirismo de si mesmo e incapacidade de comunicações profundas, sempre se mostrou importante para amar a alguém e até para amar a si mesmo.

Outras Publicações
Uma tragédia no Amazonas foi sua estréia em 1880, novela que segundo o crítico Capistrano de Abreu caracterizou como um romançalho, e mesmo assim colocou o autor ao lado de Aluísio de Azevedo. Este livro de sátira política imatura, mas refletida por um temperamento angustiado na busca de uma nova forma. Microscópios, 1881 reúnem os contos publicados na Comédia, de São Paulo. Ante da publicação do Ateneu, Raul Pompéia fez aparecer na Gazeta de Notícias em folhetim, de 30 de março a 1º de maio de 1882. As Jóias da Coroa, onde trata sobre as investigações policiais que acabaram trazendo à tona os segredos da alcova do Imperador D. Pedro II, o que concorreu para abalar seriamente a respeitabilidade do mesmo.
Após o romance que o consagrou, foram publicadas posteriormente em 1900 as Canções sem Metro, uma antologia de poemas em prosa, publicados em 1883 no Jornal do Comércio, de São Paulo, em que trabalhou amoravelmente desde 1881. No panorama lírico, as canções podem ser consideradas uma antecipação do Simbolismo brasileiro, oficialmente inaugurado em 1893 com Missal e Broquéis, de Cruz e Souza. Este seria sem dúvida o grande livro de Pompéia, sua obsessão, por isto foi burilada e retalhada várias vezes.
Portador de uma obra irregular, Raul Pompéia deixou um romance inacabado Agonia, e esparsos em jornais e revistas (contos, crônicas e notas literárias). Eloi Pontes, grande conhecedor da obra esparsa e inédita de Pompéia, diz ser ela opulentissima e variada, e que reunidos seus contos, darão quatro volumes no mínimo e suas crônicas que não perderam a atualidade, dariam cinco volumes selecionadas.

CRUZ E SOUZA, INQUIETUDE E PRESENÇA

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

Cronologicamente é o maior dos nossos grandes poetas simbolista. Negro filho de escravos teve educação e4smerada proporcionada pelos antigos donos de seus pais. Dedicou-se ao magistério, ao jornalismo, à literatura e à causa abolicionista, mas teve uma vida trágica; a esposa enlouqueceu, três filhos morreram tuberculosos, ele próprio acabou tísico, completando o ciclo da privação e da desgraça. Este poeta negro de luminoso rastro, mergulhado no imenso desconhecido, alma angustiada e presa a soluçar nas trevas, permanentemente em busca de essência das coisas, nos deixou uma obra agônica como sua própria vida.

***
O termo simbolismo foi empregado pela primeira vez no manifesto de Jean Moréas, publicado em Paris no Le Figaro Litteraire em 18 de setembro de 1886, na busca de uma nova poesia, francamente antiparnasiana, liderada principalmente pelos poetas Verlaine, Mallarmé, Rimbaud e Claudel. O simbolismo afirma-se entre 1890/1915, como um movimento de caráter poético nitidamente antipositivista, aproveitando como teoria formal toda uma imagística de símbolo, a caminhar na direção de vacuidades musicais, plásticas, religiosas e metafísicas. Os novos poetas do final do século XIX lideravam uma revolução (temática e formal) que se opunham quase todos os aspectos da tradição que começava a dominar a Europa. O movimento simbolista trouxe novidades importantes como: a descoberta do subconsciente e do inconsciente; a reabilitação artística da fantasia e a redescoberta do sentido lírico da realidade. A descoberta do subconsciente e do inconsciente abriu à intuição poética os abismos nebulosos em que se agitam os fatos mais misteriosos e as forças mais profundas da personalidade; e sondagem desses abismos, realizada em nossa literatura principalmente por Cruz e Souza, Augusto dos anjos e Alphonsus de Guimarães, revelou uma estranha e desconcertante psicologia humana.
Este movimento não nos deu apenas sentidos e dimensões novas do mundo interior e do mundo supra-real, deu-nos também um sentido diferente da realidade objetiva. Procurou expressar a poesia no conteúdo e correspondeu profunda renovação formal, além de descobrirem que as palavras não têm apenas sentido semântico e sim sentido mais complexo e profundo, pois tem em nós um poder de desencadear todo um estado psicológico, estados emocionais: morais e mentais. Contudo o Simbolismo não fugiu de apresentar a inevitável contradição entre a mensagem contida nas obras e a doutrina como tinha sido elaborada e defendida, quer pelos próprios partidários do movimento, quer por críticos coevos.
Em busca de todas as novidades sugeridas pelo novo movimento artístico e espiritual, empenhado na renovação total da poesia, Cruz e Souza luminoso, musical, introspectivo e social, viajando num mundo de luzes e sombras, delineia impressões, sugere sensações e emoções profundas, ultrapassando o lirismo amoroso e épico que tanto marcou o romantismo. Embora trilhando outra configuração estética, voltada para outras preocupações, os simbolistas mantiveram muitos elementos de versificação dos poetas parnasianos. Como também, fascinado pelo mistério e pelo caráter fluídico dos seres e das coisas, aprofundaram o universo das sugestões, da ambigüidade, da abstração mística e do sentimento sensorial do mundo, criando um universo vocabular próprio. Voltando para o onírico, o lactescente, as brumas, o luminoso, o errante, o soluçante e o encantatório transcendente.
Este é o caso de Cruz e Souza, que recebeu muitas influências em sua formação, convivendo com a poesia parnasiana não só de europeus (Eugênio de Castro e Antônio Nobel), como também de brasileiros (Raimundo Correia, Alberto de Oliveira e Olavo Bilac). Desta forma, o poeta do Desterro deu a cada poema o devido cuidado aos seus elementos constituintes, tais como o esmero das rimas, da métrica e o tratamento da palavra poética, com a utilização de certos vocábulos bastante usados pelos parnasianos. A arte poética de Cruz e Souza pertence à escola simbolista, que historicamente começou a se manifestar entre nós, com a publicação de Canções da Decadência em 1889, de Medeiros e Albuquerque (1876-1934). Contudo a verdadeira introdução do movimento, somente se verifica em termos de autêntica expressão poético-simbolista, com a publicação em 1893 (melhor fase de sua carreira) de dois livros Missal e Broquéis. Apesar de não ser bem recebido pela crítica, o poeta torna-se bastante conhecido nos meios literários e fora apelidado por Alphonsus de Guimarães como o Dante Negro.
João da Cruz e Souza nasceu em Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis a 24 de novembro de 1861, num ambiente caracterizado pelo costume colonial das festas religiosas e tradicionais entre elas a Festa do Divino Espírito Santo e A procissão dos Passos. Desterros era uma cidade pequena, com seus poucos chafarizes e sem luz a querosene. Filho de escravos, o mestre de pedreiro Guilherme da Cruz e Carolina que foram alforriados pelo Marechal Guilherme Xavier de Souza, aristocrata catarinenses, antes de partir para a Guerra do Paraguai. João teve a sorte de poucos escravos, fora educado pelo Marechal e sua esposa D. Clarinda, como seu próprio filho. Aprendeu as primeiras letras em casa, e durante o curso primário já lia e escrevia e aos oito anos recitava versos. Em 1871, Cruz e Souza ingressa no Ateneu Provincial Catarinense, de renome nacional e tem os melhores mestres, lá aprende latim, grego, inglês e francês, destacando-se entre os melhores do colégio. É de se notar que no Brasil, Santa Catarina era e ainda é o reduto onde se concentra o maio número de alemães, e o poeta teve entre seus maiores mestres o alemão Fritz Muller, e sofrera forte influência dos filósofos germânicos, em particular Schopenhauer, da mesma maneira que o sergipano Tobias Barreto.
Dez anos mais tarde, ingressa no movimento literário da província ao lado de Virgílio Várzea, que redigem entre 1882-1889 a Tribuna Popular, de orientação republicana e abolicionista, e colabora nos jornais: Folha Popular, Novidades e Cidade do Rio, e passa a lecionar no Ateneu. Durante este ano apareceu na província várias companhias teatrais e uma destas convidou-o para fazer parte do grupo e juntos percorre todo litoral brasileiro. Este é um período em que o poeta escreve inúmeras poesias e retorna à terra natal dois anos depois, onde é nomeado promotor público de Laguna, mas fica impossibilitado de assumir o cargo aos preconceitos de alguns políticos da época. Hostilizado e desiludido o poeta vai para a casa da praia e reuni-se com o grupo Escola Nova, que contava com Araújo Figueiredo, Horácio de Carvalho, Firmino da Costa e outros. Em 1885 apareceu seu primeiro livro Tropos e Fantasias, breves narrativas, cromos e poemas em prosa, em colaboração com o amigo Virgílio Várzea, que juntos fundam o jornal O Mosquito. Este livro, fruto das novas idéias, possuía um conteúdo naturalista e parnasianista, mas nele já anunciava o simbolismo. Três anos mais tarde, viaja para o Rio de Janeiro a convite de Oscar Rosas e estabelece residência em 1890, na busca de novas esperanças fez novos amigos e inimigos, mas não se deixa levar toma parte das campanhas abolicionistas empenhada na igualdade de condições sociais do branco.
Cruz e Souza trouxe para o movimento simbolista em formação, além de qualidades invulgares de poesia, a ânsia de ascensão social e moral pela arte, única via possível de sua libertação do estigma racial. Possuídos de inspiração por vezes delirante, sobretudo pra os elementos plásticos, deu-nos uma poesia densa e de intensidade dramática, uma imagética simbolista estranha, preciosa e exotérica. Suas obras são faróis nebulosos invadindo os charcos, o esterco e as brumas, que transmite pela intensidade sensorial de sons e cores das imagens que compões sua criação, o invisível que dominou o seu espírito. Por isto é incontestavelmente um poeta autêntico, dos maiores em língua portuguesa, e porque não dizer um dos grandes do simbolismo europeu. Missal, poesia em prosa, que até então só era feita por autores europeus, como Charles Baudelaire. Este livro trazia uma linguagem inédita, mais fluída, mais cheia de matiz, um clima abstrato que fundia com o romance realista e a prosa naturalista, e por tudo isto não poderia ter recebido os aplausos da opinião acadêmica da época. O próprio título já indicava não apenas um novo estilo, mas principalmente de uma nova visão de mundo, que iria abrir um caminho completamente diferente. Os aspectos mais freqüentes nesta obra são presença de circunstâncias mística, templos e atmosfera religiosa, sonoridades variadas, como também a presença de elementos luminosos, além superfícies terrenas, aspectos noturnos relacionados ao sonho e a fantasia.
Aproveitando o pequeno espaço editoria que lhe foi aberto, quase que de um único fôlego ele escreve mais um livro de poemas, Broquéis. Apesar de cada texto possuir a semelhança fisionômica do outro, cada um reflete por si um espírito próprio das sensações tão bem expressadas pelo poeta. Um dos traços constantes nesta obra é a presença marcante do branco (brancura, alvura, luminosidade, neve, neblina e outras variações), conduzindo o leitor ao universo essencialmente simbolista. Em ambas as obras, manifestam um poeta integrado de corpo e alma na estética simbolista, com seu dinamismo incessante e expressivo, a pintar as paisagens naturais das inquietações cósmicas e traduz tudo isto num mergulho dramático para equacionar seu conflito torturante. Com a perda do filho, vítima da tuberculose, a do pai e o enlouquecimento da Gavita, sua mulher, a situação agrava-se e o poeta inicia-se numa nova produção, fase das mais infelizes, são versos mergulhados no mais profundo sofrimento e desprezo do homem e tais poemas, viriam a constituir dois volumes Evocações, poemas em prosa de 1898, é a realização mais livre da sua radical extroversão. Faróis, poemas em verso de 1900, são versos que pulsam e sugere uma expressão maior, superadora do imediatismo pessoal, é na verdade um livro ilustrado misteriosamente por soluções, risos de ironia, ambos foram publicados depois de sua morte, por intervenção de amigos principalmente Nestor Vitor e possuem os mesmos estilos e temáticas.
O historiador literário José Veríssimo, não colocou o simbolismo na importância que merecia, nem deu a Cruz e Souza o merecido lugar em nossas letras e muito menos na literatura universal. Seu valor na história da poesia ocidental é descrito pelo sociólogo francês Roger Bastide num extraordinário ensaio sobre o poeta negro (A Poesia Afro-Brasileira, 1943), situa-o de maneira magnífica na poesia universa, no momento em que define o Movimento Simbolista e ao lado de Stefan George o coloca juntamente com Mallarmé. Cruz e Souza é o maior poeta afrodescentente, a musicalidade de seus versos, a vida árdua do poeta, humilhado e desprezado, sem ascensão muito alta, foi tentado pela sociedade da época rebaixá-lo a todo custo, era repelido pela sua raça, mas, rebaixar sua criatividade era impossível, tudo isto por ter sido na infância criado e educado por uma família aristocrata. Em dezembro de 1897 a tuberculose o persegue e em busca de melhores ares segue para o Sítio, Minas Gerais, onde morre a 19 de março do ano seguinte. Seu corpo foi enterrado no Rio de Janeiro.
Em 15 de fevereiro de 1915 morre João da Cruz e Souza, último filho do poeta, de tuberculose pulmonar, com seu pai, sua mão e seus irmãos.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A POESIA DE JOSÉ SAMPAIO

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico. gilfrancisco.santos@gmail.com

O poeta José Sampaio é um eterno estranho no ninho sergipano. A clareza da linguagem de sua obra é a poética da liberdade e da transgressão, que expõe contradições e paradoxos, está dotada de uma fúria verbal que se manifesta em versos como quem morre. Recentemente, durante o lançamento dos livros Dios Ensangrentado e Crepúsculo de Esplendores, do poeta Santo Sousa, lançados em 2 de junho, no salão do Residencial Emanuel Fonseca, belíssimo evento com recital de poesia e música, conheci Danilo Sampaio, filho do poeta, apresentado por Amaral Cavalcanti. O teor da conversa foi literatura e acabamos na obra de José Sampaio e ele me confidenciou o desejo em ver a obra do pai, numa edição didática, preparada para estudantes.

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O historiador e pesquisador Jackson da Silva Lima, incansável pesquisador da literatura sergipana, sem dúvida, é o descobridor do poeta sergipano José de Aguiar Sampaio (1913-1956), pois a ele coube organizar e anotar dois livros importantes para a divulgação e compreensão de sua obra: Esparsos e Inéditos de José Sampaio, 1967, e Poesia & Prosa, 1992, ambos esgotados.
José Sampaio é um poeta de grandeza incontestável, que elaborou uma obra singular, requintada, extremamente rica em imagens e de vigorosa construção, referência fundamental no cenário literário sergipano. Sampaio produziu poesia como processo de iluminação ou poética iluminada pela lucidez. Sua poesia caracteriza-se por uma reafirmação da imagem, do mundo como imagem, pelo fato de ser uma poesia de significados e não de signos, uma poesia original, de profundo sentimento humano.
Latente, onde exercita o ofício de contenção, com o objetivo de ultrapassar o lirismo e a musicalidade de seus versos. Com muitas associações de imagens e simultaneidade, a linguagem coloquial, produziu sempre uma poesia simples. Em linhas gerais, busca a estrutura da linguagem e da realidade representada, do núcleo temático.
Em sua obra poética, de versos espontâneos, fluentes, sentimos o gemer de uma dor, a agonia de uma alma enferma. O poeta viveu numa época de desafios cotidianos, que necessitava enfrentar esse desafio enquanto vivia, tanto no plano pessoal como profissional.
Tudo, porém, cheio de nobreza, expresso num estilo gracioso. Nos seus textos apresentados estão, presentes sua alma e angústia, pois sua obra é dotada de sensibilidade apurada, de imaginação fertilíssima. O poeta José Sampaio produz o texto como sente, num equilíbrio entre a inspiração e a expressão, entre a beleza que o rodeia e a beleza da realidade, tudo isso acentuado de um penetrante espírito de observação.
Um poeta interessado no ideal de justiça para todos os homens, procurando sempre estimar os humildes nos seus poemas e na prática diária de seus atos. Foi um poeta social, comovido com os sofrimentos do povo, como poeta e como homem. Militou na poesia social, cuja temática centrasse na denúncia dos problemas, das desigualdades sociais do país, inclusive colaborando, em 1938, na revista baiana Seiva, ligada ao Partido Comunista.
O “poeta dos humildes” nasceu na então Vila do Carmo, hoje cidade de Carmópolis, em 2 de maio de 1913, sendo seus pais Gaspar Leite Sampaio e Honorina de Aguiar Sampaio, ambos pertencentes à classe média.
Cursa as primeiras letras em sua cidade natal e, nos anos 20, em Riachuelo, para onde seus pais se transferem. Nos meados de 1930, José Sampaio freqüenta a redação dos jornais riachuelenses Poliauto e O Riachuelo, tornando-se diretor-secretário do primeiro. Neste mesmo ano, juntamente com José Menezes e Alfredo Sampaio, integra a Comissão de Ornamentação do Cine-Teatro Riachuelense para a parte literária da festa dedicada ao Dia do Crisântemo.
Em princípio de 1932, encontra-se residindo em Capela, onde se estabelece com uma casa comercial. Um ano depois, transfere-se para a capital e passa a trabalhar no comércio, além de ser revisor e gerente de vendas do jornal A República.
Estabelecido em Aracaju, trava conhecimento com jornalistas, intelectuais de esquerda, líderes estudantis e sindicais, avançando nos seus ideais progressistas. Participa da vida cultural intensa, das rodas literárias e da boemia, freqüenta as redações dos jornais e se torna habitué dos bares e cabarés. É eleito, em 1936, suplente do Conselho Fiscal da Associação Sergipana de Imprensa, quando também colabora assiduamente em vários jornais estudantis ou alternativos.
Graças à atividade de caixeiro-viajante, a qual desempenhou até 1945 (ano em que se casa com Jaci Conde Dias e juntos tiveram os filhos Danilo e Liana), percorre todo o Estado de Sergipe, estabelecendo contato direto com a gente do interior.
No final da década de 40, transfere-se com a família para a cidade baiana de Feira de Santana, onde compra um armarinho e participa das atividades culturais. No início de 1954, visita Aracaju a convite do escritor José Augusto Garcez (1918-1992) e trouxe os originais do livro Nós Acendemos as Nossas Estrelas, publicado meses depois.
No ano seguinte, agravam-se os sintomas da doença que o levaria à sepultura. Vai ao Rio de Janeiro e a São Paulo em busca da cura, mas o esforço é inútil: José Sampaio faleceu em Aracaju a 4 de abril de 1956, vítima de câncer.
A sua bibliografia, de grande importância para a literatura sergipana, é formada pelos títulos Nós Acendemos a Nossas Estrelas, Aracaju, Movimento Cultural de Sergipe, 1954; Obras Completas de José Sampaio, Aracaju, Livraria Regina/Movimento Cultural de Sergipe, 1956; Esparsos e Inéditos de José Sampaio, Aracaju, Nova Editora de Sergipe, 1967 e Poesia & Prosa, Aracaju, Sociedade Editorial de Sergipe, 1992.
Apesar do grande significado e valor estético de sua obra, José Sampaio ainda não tem proclamado, na dimensão devida, o reconhecimento da importância de sua poesia, que não aconteceu no cenário nacional, a exemplo de conterrâneos como João Ribeiro, Sílvio Romero, Tobias Barreto e Jackson de Figueiredo.
Confira alguns dos seus poemas, cujo meu primeiro contato foi através do cineasta baiano Olney Alberto São Paulo (1936-1978), de quem fui seu assistente no filme Festa de São João no Interior da Bahia, dirigido por Guido Araújo, através do artigo A Morte de um Poeta, por ele escrito e publicado n’O Coruja, 27, maio, 1956, em Feira de Santana.


Dia que vem — 1935
Gente
passando a mão no rosto
para afastar o sangue
dos olhos vermelhos,
para avançar.
O velho imprestável
rejuvenesceu
pra grande luta
libertadora.
Na confusão,
a própria consciência
do grande ideal
morreu afogada
no sangue dos homens.
Agora a alegria
de querer matar
é o medo inconsciente
de morrer primeiro.
A tragédia sorrindo
um sorriso trágico.
Há risadas mudas
nas bocas mortas.
Que coisa impossível:
a dor cantando
o poema alegre
da liberdade.
E a nação
ressuscitará
sobre o montão
das pessoas mortas.
E se for mentira
a ressurreição?

A marcha das lágrimas — 1936
Continuou quebrando a paz da vida,
mãos alevantadas como gritos,
olhos alarmantes como a fome.
Onde estavam
a beleza da terra
e a alegria da felicidade?
As estradas
estavam avermelhadas
dos pés humanos que sangraram.
E toda aquela gente
morria de cansaço
atrás da paz e da beleza
porque
em proporção que acelerava a marcha
as estradas cresciam
na mesma crueldade inconsciente.
Mas uma mão estranha
acalentava a dor daquele povo.
Parece
que uma cidade santa
nascia nos sentidos
pois
os mais felizes que tombavam logo
morriam fitando com inveja
a marcha gloriosa.
Primeiro o pensamento
tinha feito a viagem
e a cidade existia
grande como um sorriso.
A paz
embalaria aquele povo.
A graça voltaria nas mulheres
e o amor constituiria
o sossego dos velhos
e a felicidade dos moços.
E brinquedos bonitos
acordariam a alegria dos meninos.
Entretanto,
os ritmos da caminhada
rolavam pelos caminhos
no mesmo rumor de choro
como línguas vivas.

A revolução das ruínas
O rumor que veio desta lembrança
amedrontou meu silêncio.
No meu modo de ver, pelo menos agora,
as ruínas se revoltaram debaixo dos edifícios novos.
São lembranças estranhas
de tudo que ficou debaixo do mais forte.
Há um sofrimento infinito nestes seres pisados,
mas não há choro nesse clamor subterrâneo.
As grandes dores
geram a alegria trágica do ódio.
É a decadência querendo levantar-se
para ressuscitar
na glória de suas causas de palha,
na felicidade dos seus homens brutos
e na alegria de sua antiga liberdade.
Geração que foi enterrada
querendo romper o túmulo dos arranha-céus
para apagar
todas as luzes da civilização.
A luta rasteirado que caiu
para nunca mais levantar.
Revolução infeliz,
tão infeliz que não morre
para viver das derrotas.
Luta impossível
contra o indiferentismo do tempo
e a ironia espontânea do progresso.
Meu pensamento, agora,
é a lembrança estranha
deste profundo anseio de liberdade
que estremece a cova das ruínas.
(1936)

Sarjeta
Eu olhei muito a sarjeta,
a água correndo mansa e clara,
sorrindo no cristal dos caracóis.
Mas, eu vi lá no fundo
a tristeza do lodo
cobrindo o chão de luto.
E me lembrei tanto da humanidade.
Por que é que não limparam
o fundo das sarjetas?
(1936)


As ruas
A palavra precisa ser simples,
como água,
ao alcance de qualquer ouvido.
Do ouvido das ruas,
porque as ruas possuem a maior força
e não chega uma voz despertando.
Mas quando as coisas foram ditas
na linguagem simples do povo,
as ruas não suarão tanto, inutilmente.
(1942)

A HISTORIADORA MARIA THÉTIS NUNES

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com
“Já, estou aposentada pela Universidade Federal de Sergipe há mais de oito anos. depois de ter ensinado durante quarenta e sete. De certa forma ultrapassei um pouco o tempo estipulado para que um trabalhador aposente-se. Só me aposentei porque todo mundo se aposenta um dia e também por causa das determinações que foram realizadas para que eu me aposentasse. Mas isso não fez com que ficasse parada, sempre participo de debates como palestrante sou presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e faço parte do Conselho de Cultura do Estado”.
Maria Thétis Nunes

Os pesquisadores da historiografia brasileira são pessoas possuidoras de um tipo especial de obstinação. A vista das circunstâncias, elas vão de fungos e cupins, de reformas e demolições, até a falta de compreensão dos dirigentes de instituições que possuem documentos importantes em seus arquivos.
Em Maria Thétis Nunes reuniram-se algumas das mais altas, puras e nobres características a que uma pesquisadora pode aspirar: a retidão e firmeza de caráter, a exemplar coerência de pensamento e aguda capacidade de interpretação. Ou seja, Thétis é, de fato, uma historiadora que alia à pesquisa cuidadosa uma forma correta de escrever sobre o tema escolhido. Por certo, essa sua personalidade foi fator determinante para torná-la numa das primeiras historiadoras sergipanas a consignar a seu nome uma dimensão pública.
Ao aliar talento, rigor profissional e capacidade de trabalho, a professora Thétis possui hoje uma bibliografia formada por mais de dez títulos, entre os quais Os Árabes: Sua Contribuição à Civilização Ocidental, 1945; Ensino Secundário e Sociedade Brasileira, 1962; Sergipe no Processo da Independência do Brasil, 1973; Sílvio Romero e Manuel Bonfim: Pioneiros de uma Ideologia Nacional, 1976, Ocupação Territorial da Vila de Itabaiana: a Disputa entre Lavradores e Criadores, 1976, História de Sergipe a partir de 1820,1978; Geografia, Antropologia e História em José Américo, 1982, juntamente com Manuel Correia de Andrade e José Otávio Melo; A Política Educacional de Pombal e sua Repercussão no Brasil-Colônia, 1983; História da Educação em Sergipe, 1984; Sergipe Colonial I, 1989; Sergipe Colonial II, 1996.
Com a publicação de textos em vários periódicos do país, chegando a mais de duas centenas de artigos e ensaios – isso, de 1948 até 1999 – a maioria deles sobre temas sergipanos, alcançamos os objetos obsessivamente perseguidos e trabalhados pela autora na lapidação de suas questões fundamentais e inaugurando uma perspectiva historiográfica nova. Ou seja, tudo isso ajuda a compreender melhor o sentido de sua reflexão sobre a história do nosso Estado.
A postura, o fazer e a sua interpretação como pensadora da cultura brasileira acentua o relevo de sua obra, mais do que isso, a sua visão arguta do espaço histórico é algo impossível de não se reconhecer no seu trabalho, aliás, como o faz nas contribuições modelares, Ensino Secundário e Sociedade Brasileira e A Política Educacional de Pombal e sua Repercussão no Brasil-Colônia.
Criadora de uma obra séria, erudita, que traz elementos novos à compreensão da historiografia brasileira, provando que a historiadora se afirma pela descoberta feita nos arquivos, antes, de mais nada; e pelo conhecimento de fontes numerosas nem sempre fáceis de serem encontradas.
Pesquisadora arguta e incansável, Maria Thétis Nunes busca novos caminhos, novos objetos e novas interpretações no quadro da História do Brasil. Algumas de suas obras já se tornaram leitura obrigatória para quem quer ter uma visão não acadêmica, não tradicional, de fatos tão marcantes de nosso passado. Sem falar na importante contribuição à vida cultural brasileira com a autora comentando obras de terceiros, responsável muitas vezes pelo enriquecimento de algumas delas ou pelo impulso que deu a alguns autores estreantes, ou contribuindo para edições póstumas de autores consagrados.
Suas pesquisas sempre provocam amplo debate sobe o tema, abordado, visto que suas análises não ficam nas “meias palavras”. Ataca frontalmente, batendo duro no resgate do passado “maquiado” pela historiografia “oficial e comprometida”. Sua obra encontra-se ao alcance de professores e estudiosos da nossa historiografia, consulta obrigatória para qualquer brasileiro culto.
Por isso, não pode deixar de ser lida sob pena de incorrer-se em distorções e omissões. Seus estudos representam um momento culminante em nossas letras quer na avaliação dos contemporâneos, quer na análise de obras do passado, de um João Ribeiro, Tobias Barreto, Felisbelo Freire e inúmeros outros os quais se pronunciou Maria Thétis Nunes com acerto.
Portanto, o seu nome é um dos mais importantes no campo da divulgação do pensamento dos grandes de nosso passado, destacando-se pela posição pioneira que ocupa em nossas letras.


Nota
A professora Maria Thétis Nunes, faleceu em Aracaju, a 25 de outubro de 2009, aos 86 anos.

Aracaju. Jornal da Cidade, 20 de setembro de 2000.

JOÃO RIBEIRO E O 8 DE JULHO

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com




Pela Lei nº 17, de 9 de fevereiro de 1839 da Assembléia Provincial de Sergipe, foi decretado feriado o dia 24 de outubro. Esta data, porém, segundo Mondim Pestana e Lima Júnior, não tem historicidade. Em 1920, João Ribeiro retoma o ponto de vista de ambos e nega a historicidade do 24 de outubro. O Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – IHGS protestou, chamando-o de “besta do apocalipse” e dirigiu-lhe um protesto através de ofício, encaminhado ao mesmo, que lhe custou à exclusão do quadro de sócio do IHGS e conseqüentemente a cassação do título. Ao recebê-lo, com bom humor, imediatamente escreve uma palinódia, publicada na seção “dia sim, dia não” do Jornal do Brasil em 25 de julho de 1926:

“Tupã, Caramuru

Chegou a divindade de longe, Deus ignotus, propício à gentilidade cabocla.
Esse deus, com um bacamarte de pederneira apanhado nos desvãos do Catete, e com um barril de pólvora escapou ao naufrágio, é bem o Júpiter mandado à fábula coaxante das rãs, sequiosas de um rei novo.
Se lhes faltar algum papel para a bucha dos foguetes e das girândolas festivas, cá está o ofício do Instituto, que recambiarei patrioticamente para maior Lustre das festas da minha santa e amada terrinha.
Eu sei que há virtudes excelsas, como sejam o patriotismo e outros males sergipanos. Sei igualmente que Cyro de Azevedo não merece os doestos que vão atribuir à minha pena, que antes rabiscaria elogios ao homem, ao cidadão, ao intelectual e ao artista.
Não lamento os seus propósitos de salvar a pátria do bom General Lobo, celebrado injustamente por certos aspectos artméticos da sua popularidade.
Lamento só o Instituto Histórico, que teve língua solta para me xingar e agora está entalado, engasgadíssimo com o bacamarte soberano.
Eu também (desculpem a modéstia) pertenço a vários e grandes Institutos, ao do Rio, ao de São Paulo, e ao do Ceará; esperava juntar a esses diplomas medíocres o do Instituto de Sergipe.
Perdir, porém, a partida e confesso-me entristecido.
Meu admirável Instituto do Cotinguiba não lasque mais protestos nem papel com ofícios.
Coma sossegado engula com paciência, mas não vomite na praça pública.
Não é assim que se escreve a história nem a geografia”.
O poeta baiano Gregório de Mattos (1636 1696), satirizou no soneto Aos Caramurus da Baía, os brasileiros (brancos) que se diziam descendentes de tupi. Zombava, assim, não só da fidalguia nascente que se orgulhava das origens nativas, como da própria linguagem, eivada de termos túpicos. É provável que João Ribeiro, leitor do boca do inferno, fosse buscar nos seus versos satíricos de Gregório uma resposta para os intelectuais sergipanos.
Alguns sergipanos, afirmava na época, que João Ribeiro não amava a sua terra natal, talvez por ele nunca voltar a Sergipe, pois saíra em 1881 para estudar medicina na Bahia, mas logo percebendo não ser a sua vocação, abandona o curso e muda-se para o Rio de Janeiro, com o propósito de matricular-se na Escola Politécnica. Desistindo de ser engenheiro, dedica-se ao jornalismo, em que logo se destaca. Não é verdade que não amasse torrãozinho. Sobre Sergipe ele publicou no Jornal do Brasil em sua edição de 24 de outubro de 1925, o seguinte:

“Sergipe é a minha terra e que bela terra! Canaviais verdes e extensos que aveludam os campos, igrejinhas brancas e sonoras, rios lentos e céu sempre azul!
É um paraíso. O grosso daquela gente compõe-se de lazarones contemplativos que não conhecem as grandes tristezas da vida civilizada. Fazem as suas casas pelo método bolchevista do muxirão: uns trazem as palmas para o teto, outros o barro e outros as varas de camboatá.
Está à casa feita. O Sergipano ali se aloja com mulher e filhos; através da palhoça feliz há umas bananeiras e a árvore derramada do cajueiro; por ali por perto formigam os caranguejos, alimento fosfórico, salutar e formidável aos deleites da procriação.
Nada de tudo isto custa um vintém.
Entretanto, o sergipano trabalha algumas vezes na intermitência das safras e ganha uns dinheiros supérfluos para certos luxos indispensáveis: primas e bordões de vida e alguns metros de chita e de madrasto”.

Portanto, o 24 de outubro que depois de 1930, com a implantação da Ditadura no Brasil, tornando-se realmente histórica para a nação, fez com que João Ribeiro exclamasse: Qual! Meus conterrâneos são mesmo profetas!
Durante as comemorações do Primeiro Centenário da Emancipação Política de Sergipe, o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, em Ato de 16 de abril de 1919, resultado da reunião da Comissão Executiva do Centenário, resolve publicar o nº9 (Especial) da Revista do IHGS, com colaborações de: Manoel Caldas Barreto Netto, Costa Filho, Armindo Guaraná, Prado Sampaio, Francisco A. de Carvalho Lima Júnior, Hermenegildo Leão e outros; com lançamento prevista para 8 de julho de 1920. Já o Presidente do Estado de Sergipe, Coronel Pereira Lobo “justificou a razão de seu pensar relativamente à data em que devem ser celebradas as festas do Centenário – 24 de outubro, em lugar de 8 de julho de 1820”. Por este motivo o Estado de Sergipe comemorou a passagem dessa memorável data em 24 de outubro. Ver artigo Primeiro Centenário da Emancipação Política de Sergipe, publicado no blog www.cinformonline.com.br (Gilfrancisco)

O CONTISTA JEOVÁ SANTANA

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com
Um bom contista é aquele que tem a capacidade do ousar, de lançar-se sem medo e ter o poder de colecionar detalhes ou cenas quaisquer. Ele nunca perde o rumo e sempre consegue dar emoção e encantamento à nova maneira de dizer, deixando a linguagem desempenhar o seu papel de representação de si mesma. Essas são algumas características do estreante contista Jeová Silva Santana, Menção Especial do Prêmio Núbia Marques – Contos, Dentro da Casca, Aracaju, Fundesc/Segrase,(abas da professora. Maria Lúcia Dal Farra), 1993, 58 p.
Na obra em questão, vamos encontrar um escritor preocupado com o destino do homem e perplexo diante dos desencontros que marcam a nossa época, ao tempo em que revela um tratamento e estilo que mostram a constante evolução (experimentos) de sua prosa, em busca de depuramento formal, e de sempre melhor transmissão de idéias. De modo geral, sua narrativa (o narrador pode estar muito próximo ao que conta, por vezes sendo até sua própria personagem, como pode afastar-se e narrar com pretensa indiferença), está voltada para um passado recente, resgatado pela memória. Esta distância – que é espacial e temporal em relação ao narrador, ainda que os tempos verbais coloquem-se por vezes num pretenso presente – facilita a perspectiva de empatia com que ele se refere às suas criaturas.
Sobre o livro de estréia diz o crítico Alberto Carvalho (1932-2002): "Jeová tem duas qualidades de um escritor: domínio da língua e imaginação. Isto permite que seus "exercícios" (como, modestamente, ele denomina suas ficções) explore as possibilidades do mercurial gênio do conto e extaia da concisão, o relato curto, o conto fora da casca, que pode oscilar entre a narrativa alongada chegando até a novela". Ou Antonio Oliveira: “Vem confirmar as boas qualidades do ficcionista já conhecido e premiado de suplementos e antologias. Uma coisa, porém, é o que se pode perceber e avaliar em escritos avulsos, esparsos, preferenciais, e outra, bem diferente, a abordagem que permite um conjunto de dezoito contos”. Como se pode observar com clareza, no conjunto dos contos do livro Dentro da Casca, o autor apresenta surpresa das coisas que são realmente novas e originais. Onde a dolorosa solidão e a incomunicação humana são traduzidas especialmente pelo despojamento completo do cenário cotidiano. A visão de um mundo amargo é transgredida por certa ironia, perpassando pela maioria dos textos. Todo o absurdo da condição humana está presente, com suas contradições afetivas, morais, sociais, religiosas, que se cristalizam algumas de suas principais características de ficcionista.
A Ossatura (Recife, Editora do Autor/Edições Bagaço, 2002, 140 p.), seu segundo livro, reunindo vinte cinco contos, divididos em quatro partes: I Iniciação, II Véus, II Agrestes e IV Lápides, mereceu na época de sua publicação, um lúcido comentário do crítico Léo Mittaráquis: "A Oussatura traz o sinete do amadurecimento lírico do autor. E o que é muito interessante, o demonstra via uma aparente simplicidade arquitetônica, quando percebemos nas pequenas cidades, numa primeira leitura caracteristicamente descuidada, apenas fachadas geométricas, típicas das casinhas em rosa e azul, quase que imanentes à cultura interiorana, incluindo-se dia-a-dia e imaginário".
Jeová Santana persegue as palavras dias e noites por becos assombrosos, às vezes habitados por terríveis fantasmas, atravessando tormentas, correndo todos os riscos da loucura que é produzir, textos de supremo prazer experimentado por poucos; sempre em busca de uma linguagem inovadora. A emoção do contista-poeta cresce nas graduações do amor que a cidade revela, com suas ruas e ofícios que afloram de outras cidades. Assim, juntos, memória e coração, produzem em gestos de amor candente, um texto que palpita de suas fissuras cósmicas.
Para o contista Jeová Santana, cada palavra tem um peso, um valor, um volume, uma cor própria, uma medida justa. Em linguagem direta, às vezes dura, mostra-nos um painel da realidade que nos circunda, vista através de um microcosmo que reproduz o macrocosmo. Uma reflexão sobre a violência, poder e opressão em todos os níveis, que se unem para asfixiar o ser humano
Tudo nos chega em termos convincentes, num texto trabalhado por alguém que se debruçou sobre o fenômeno e o sentiu na própria pele, para que ele busque dar sempre mais o testemunho de seu tempo e de sua gente. Não é a primeira vez – nem a última, por certo – que afirmamos ser Jeová Santana possivelmente o escritor (da sua geração) de melhor texto entre todos os que hoje se dedicam às letras em Sergipe.
Inventário de Ranhuras (Brasília, L.G.E. Editora/Fundação Universidade Estadual de Alagoas/Banco do Nordeste, 2006, 183 p.), obra que apresenta trinta e cinco contos, divididos em quatro partes: Porões, Lâminas, Guardados e Alcovas. Em cada um desses compartimentos "o autor exercita mais do que o seu olhar, o seu andar por dentro da consciência, na qual os homens remoem as suas culpas, os seus pecados, os seus descasos ou procuram escapar às suas dores, às suas falhas", assim, define a romancista sergipana Gizelda Moraes. O consagrado contista maruinense, Vladimir Souza Carvalho, sobre Inventário de Ranhuras afirma: "mantem-se, formalmente, na mesma linha do livro anterior, no qual se relaciona, especificamente, a divisão de temas". E prosegue adiante no mesmo artigo "reitera sua excelente posição entre os melhores contistas sergipanos, na atualidade vivida, já manifestada, anteriormente, com Dentro da casca, depois com A Ossatura e, agora confirmada, com Inventário de Ranhuras".
O domínio de Jeová Santana surpreendente, de técnicas e linguagem inovadora graças ao amadurecimento literário é um fato que não podemos negar; talvez, por ser uma das maiores surpresas reveladas no conto, pela literatura sergipana dos últimos dez anos. O contista tem ainda inédito sua tese de mestrado, defendida em 2000, na Universidade de Campinas (Unicamp), A Crítica Cultural no Ensaio e na Crônica de Genolino Amado
Jeová Silva Santana nasceu em Maruim em 17 de outubro de 1961, mas desde os três meses de idade reside em Aracaju onde fez todos os seus estudos. Formado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), foi um dos coordenadores do suplemento Arte & Palavra (1990/1993), do extinto Jornal da Manhã e assinou a seção Outras Palavras (1995/1996), no semanário Cinform.

A quem interessar Possa (Fortuna Crítica)

- Dentro da casca (abas), Maria Lúcia Dal Farra. Aracaju, Dentro da casca, Jeová Santana. Segrase,
1993.

- O conto fora da casca, Alberto Carvalho. Aracaju,Arte & Palavra,Ano III, n.35, ago. 1993.
- Um livro surpreendente. Aluysio Mendonça Sampaio. Aracaju, Arte & Palavra, Ano III, n.35,
ago. 1993.
- Jeová Santana e seus primeiro livro, Antônio Oliveira. Aracaju, Arte & Palavra, Ano III, n.36. set.
1993.
- Os Ossos do Ofício, Léo Mittaraquis. Revista Aracaju Magazine, 2003.
- Maruim, Jeová, Ossatura, & Cia, Vladimir Carvalho. Aracaju, Jornal da Cidade, 29. abr. 2003.
- O silencioso ofício de Jeová Santana,Luiz Eduardo Oliveira. Aracaju, Jornal da Cidade, 28/29.
mai. 2003.
- Em busca de novos públicos, Cinform. Aracaju, 13 a 19. mar. 2006.
- Entre cascas, ossaturas e ranhuras: a contística de Jeová Santana, Luiz Eduardo Oliveira. Aracaju,
Cinform, 10 a 16. abr. 2006.
- Inventário de Ranhuras, Vladimir Souza Carvalho. Aracaju, Jornal da Cidade, 20. abr. 2006.
- O contista Jeová Santana, GILFRANCISCO. Aracaju, Cinform, 21 a 27 de jun. 2010.