sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

CAPINAN: SOY LOCO POR TI AMERICA

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

O poeta José Carlos é considerado como uma das mentes mais claras, refinadas e originais, ao lado de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Torquato Neto, fez parte da Tropicália, Movimento Cultural Musical mais importante dos últimos anos, um dos momentos mais criativos, um momento de dúvidas e inovações e dificuldades para resolver as questões diversas, procurando como atua dentro de um espaço novo. Através de elementos culturais brasileiros já foram feitas muitas aproximações entre os Tropicalistas e os Modernistas de 22, principalmente no que tange à tematização do carnaval e à utilização do humor e da crítica através da paródia. Capinan é um desconcertante rebelde, dentro de uma coerência absoluta de princípios, e, no percurso de sua poética, sempre renovada e renovadora, "vanguardista", prossegue na luta por uma cultura revolucionária, reinventando permanentemente sua poesia a cada fase, a cada face de sua obra.
Apesar de ser médico de formação, o poeta, roteirista e editor José Carlos Capinan é uma pessoa inteiramente ligada aos meios culturais baianos, com forte participação no movimento cultural da década de 60, quando integrou o grupo baiano tropicalista, que se irradia na música, teatro, artes plásticas, cinema e literatura, constitui um movimento de protesto na época, marca uma transformação importante na MPB, em termos de produto escrito e sonoro.
O Tropicalismo foi determinante para fazer o Brasil ler Oswald de Andrade, ouvir João Gilberto, Roberto Carlos, Vicente Celestino, os Beatles e Luiz Gonzaga.Em 1986 ocupou o cargo de Secretário de Estado da Cultura, no Estado da Bahia, no Governo Waldir Pires e presidiu o Fórum Nacional dos Secretários de Cultura. Ele é um letrista dos mais respeitados no Brasil, com mais de 500 poemas musicados, fez parceria com importantes nomes da MPB, a exemplo de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Raimundo Fagner, Edu Lobo, Francis Hime, Jards Macalé, Paulinho da Viola, Moraes Moreira, João Bosco, Geraldo Azevedo, Joyce, Tom Zé, Sueli Costa, Zé Ramalho, Zé Renato, Carlos Pita, Mirabô, Robertinho do Recife, Xangai, Petrúcio Maia, Gereba, dentre outros. Apesar da pequena produção, José Carlos Capinan é autor de dez livros (Poemas, 1987; Poemas, 1996; Terra à vista. Uma iconografia do Monte Pascoal; Os Seres e as cores nas terras do sem fim, 1993 são alguns deles), ele continua achando que a música é uma forma de difusão cultural mais abrangente que o livro.
De uma geração baiana de poetas que sucederam a geração Mapa (grupo de estudantes), da qual participaram Glauber Rocha, Carlos Anísio Melhor, Fred Sousa Castro, Fernando da Rocha Peres, Paulo Gil Soares, Calasans Neto, Silva Dultra, João Carlos Teixeira Gomes, dentre outros. José Carlos Capinan tem uma importância altamente relevante, tanto na forma quanto na substância, ele é um poeta irreverente, de linguagem e estrutura desarticuladas propositalmente, que desconstrói o real, tomando uma parte como o todo. E é nessa desarticulação que o poema torna-se melhor entendido, num sistema altamente articulado.O poeta Capinan se encaminha a uma ênfase cada vez maior, pela vital fecundidade de sua abordagem poética e por sua história, situando-se com destaque entre os modernos da poesia brasileira. Seus versos se articulam com cuidadosa, intensa e exclusiva precisão, elaborando novas fórmulas em seu curso poético.
Através de sua manifestação criadora em particular, o poeta baiano sobreviveu durante todos esses anos, apesar de toda turbulência política ocorrida nas últimas décadas, que embargou os projetos literários em geral no país.Nascido em 19 de fevereiro de 1941, em Pedras, Entre-Rios (BA), embora a sua Certidão de Nascimento ateste que ele nasceu na Fazenda Gavião, no município de Esplanada (BA). Capinan é o sétimo dos treze filhos de Osmundo Capinan e Judith Baiana Capinan. Em Salvador, estudou nos colégios Antonio Vieira e Ursula Catharino e concluiu o curso Pedagógico entre 1956/1959, quando consolida sua experiência da cidade e algumas aproximações com as idéias sobre cultura e literatura.
Diplomado, Capinan retorna ao interior para ensinar no Grupo Escolar de Pedras. Em 1960 vai cursar Direito e também Teatro, no momento em que as gerações emergentes de escritores, vindas de regiões diferentes do Estado revolucionavam o circuito das idéias sobre arte, cultura e política ocupando as revistas culturais dos diretórios acadêmicos e os suplementos literários dos jornais locais. Em 1962 Capinan ingressa no Partido Comunista, e se integra ao Centro Popular de Cultura - CPC da UNE (União Nacional dos Estudantes) e nesse momento escreve a peça teatral Bumba meu Boi, baseada numa festa dramática popular brasileira e musicada por Tom Zé.
Nesta fase, Capinan escreve seus primeiros poemas os quais são publicados na revista Ângulos, Suplemento Literário do Diário de Notícias e na Antologia dos Cadernos do Povo, Violão de Rua, vol. 2, (Editora Civilização Brasileira, 1962).Nesta fase, a sua poesia representa um vasto território para uma criação literária renovada, com grande força rítmica e alto relevo, apresentando aspectos em vários planos, tais como os reflexos das circunstâncias e ecos desses acontecimentos que, através de novas tendências, tenta recuperar pela evocação da palavra, suas tormentas e a autenticidade do homem, com uma visão cósmica que ganha expressão real pintando este cenário como poucos.Desde 1963 o poeta reúne em sua produção alguns dos mais importantes poemas musicados, nos quais retrata sua infância, adolescência e as conseqüências que elas provocaram na vida adulta.
Nesta ocasião, ele foi convidado para fazer uma letra sobre imigrantes nordestinos para o filme Viramundo, dirigido por Geraldo Sarno, cuja música foi feita por Caetano Veloso, porém a gravação mais conhecida é em parceria com Gilberto Gil, inclusive com outra letra. Assim, diversos perfis são traçados e retratados, por vezes trágicos, contudo apontando sempre para um relacionamento diferenciado, mas resguardando semelhanças e pontos em comum.Em 1965 Capinan abandona os cursos universitários, e se encontra no Sudeste do país morando no Rio de Janeiro, onde começa a trabalhar com publicidade.
Um ano depois, em setembro dirigi, juntamente com Torquato Neto e Caetano Veloso no Teatro Opinião, o show musical Pois É ao lado de Gilberto Gil e Vinícius de Moraes. Neste mesmo ano ele foi classificado em 3º lugar no II Festival de Música Popular Brasileira, na TV Record, com a música Canção para Maria, em parceria com Paulinho da Viola. Em 1967 vence a II Edição do mesmo festival, com a música Ponteio, em parceria com Edu Lobo, e interpretada por Marília Medália, Edu Lobo, Quarteto Novo e o conjunto vocal Momento Quatro, do qual fazia parte Zé Rodrix.
No final deste mesmo ano Capinan publica nove poemas na antologia "Moderna Poesia Bahia", coleção Tempoesia, da Editora Tempo Brasileiro.A obra Inquisitorial, publicada em 1966 (2ª edição 1995), reúne poemas de 1959 a 1965, e exige do leitor sensibilidade e inteligência, pois, seus poemas são construídos como verdadeiras peças musicais, versos harmônicos que requerem atenção e sensibilidade por parte do leitor.
É um dos mais importantes livros de poesia que retrata a década de 60, que organiza a temática literária da realidade brasileira despertando o movimento estudantil para as questões políticas e sociais. Nesta obra, confiante de sua mensagem poética, que eleva o estado lírico do poeta, a comoção define simultaneamente o que ele sente em suas entranhas. Somente a partir do estudo realizado pelo ensaísta José Guilherme Merquior (1941-1991), sobre Capinan e a Nova Lírica, in Astúcia da Mimese (1972), é que o interesse por este farto material começa a ser despertado e, por certo, nos dará muitas possibilidades de interpretação. Sobre o livro, diz o autor dos ensaios líricos: "O Inquisitorial é uma resposta incisiva tanto ao formalismo acadêmico quanto ao formalismo vanguardeiro".
Os sinais da agilidade expressiva são vários; o ritmo é, em geral, o do verso livre, musculoso, plástico, econômico, capaz de gradações e de contrastes, que se dilata sem perder o controle e sem cair no prosaico. Apaixonado pela palavra, o poeta de muitos significados José Carlos Capinan em suas canções retratava angústias interiores, frutos de uma época turbulenta da história brasileira, embora, eventualmente pontilhada de acontecimentos, como alguns momentos de serena ternura. É na música, portanto, que ele encontrou um significado pleno para a vida.
Seus versos tratam da história mais recente na qual estamos imersos. É uma amostra de poesia sincera e espontânea de quem se identifica com o momento revolucionário de um país subdesenvolvido e sob a influência do imperialismo colonialista.O poeta de Viramundo trabalha a rima e o som das palavras com uma linguagem simples e direta que, poeticamente permite a abertura de novos caminhos, reflexões e reformulações sobre o discurso misturando o concreto com o imaginário, o real com o fantástico, criando situações que nos levam a refletir sobre o passado fazendo um mergulho no inconsciente, no qual a fantasia não tem limites, seja no menino de ontem ou no de sempre que vive em nós.
Esse é o domínio essencial sobre o trabalho de quem cria e, dessa forma faz a síntese de um universo que é o universo dialético, algo mais perdurável, uma verdadeira força da natureza. Capinan defende acima de tudo a liberdade até de desafetos, como a igreja; seu clero e dogmas, assim como do Exército e o fascismo, dos políticos arrivistas, do mundo burguês e seus interesses mesquinhos de classes.
A obra poética de Capinan é cheia de magia, é uma viagem do real tornando-se imaginária e, conseqüentemente mais rica, mais viva; uma vez que permite descobrir suas substâncias criadoras, cujo poder de evocação é ilimitada, a cada dia ela abre perspectivas para uma interpretação nova, o que possibilita situá-la em seu justo lugar na música popular brasileira. Capinan, antes de começar a criar ocupa-se em refletir sobre a gênese da poesia achando que essa realidade se impõe tão maciçamente que acaba por tornar-se também um pensamento claro e erudito, nos conduzindo à descoberta de um universo mais verdadeiro que o verdadeiro.
Através de seus poemas, instrumentos de conhecimentos da vida interior, Capinan vem lançar uma nova luz sobre a poesia da MPB nos anos 60/70, pois, como criador poderoso acrescenta inúmeros detalhes, fruto de observações quase fotográficas. Ele constrói o seu próprio sistema, eminentemente pessoal, genial e inovador.
Doze anos após o Inquisitorial, Capinan retorna ao cenário editorial com o livro Ciclo de Navegação, Bahia e Gente. Este livro está dividido em nove estações ou momentos. Feito tendo por base a perda afetiva de uma pessoa, o poema é a viagem, através desses sentimentos, para o interior do poeta. Ele define o livro como um discurso de reflexão lírica, normalmente com muita influência do cordel, e em versos de sete sílabas, porém com um nível de linguagem elaborada. Sua criação corresponde à rebeldia e irreverência dos malditos solitários franceses, como Baudelaire e Rimbaud; é uma poesia elaborada num ambiente fechado na extensão de uma construção independente atenuada numa dimensão desprovida de mistérios de qualquer natureza. Esta marca está presente em toda a sua obra.
Capinan é poeta de uma nova era, ele cria uma arte moderna que busca resgatar a originalidade do Brasil de Mário e Oswald de Andrade.Durante 1976/1977, juntamente com o poeta Abel Silva editam dois números da revista Anima (revista bimensal de cultura). O primeiro, correspondente aos meses de abril e maio trouxe as colaborações de Waly Salomão, Gramiro de Mattos, Florisvaldo Mattos, Francisco Alvim, Ronaldo Santos, Charles, dentre outros e outros. O segundo e último número, lançado em abril de 1977, em Salvador, no Teatro Castro Alves, com o show "Nem que chova canivete", teve apresentações de Macalé, Fagner, Moraes Moreira, Batatinha e Os Ingênuos. Colaboraram com este segundo número os poetas Ferreira Gullar, Gramiro de Mattos, Abel Silva Manduku, Ronaldo Bastos, Aldir Blanc, João Ubaldo Ribeiro, Capinan e entrevista com Octavio Paz.Em 1981, Capinan lança o livro Estrela do Norte, Adeus ou assim Passavam os Trem... Nele, o autor mostra um lado seu diferente, o de contador de estórias infantis. Este livro conta uma história de retirantes, problemas da Bahia e do Nordeste, das "secas e das cercas", que transformaram a terra simples do sertão e criaram o sonho pelo Sul do país.
Esses problemas, porém, são abordados naturalmente e com leveza pelo autor. Sobre o livro, o escritor Guido Guerra diz : "Com essa história, aqui resumida arbitrariamente, José Carlos Capinan, o admirável poeta de Inquisitorial, retoma agora, nesta Estrela do Norte, Adeus, a linha iniciada com Clarice (a que se guardava tão triste assim): a narrativa lírica à moda dos contadores de casos. Esta, talvez seja uma história de ninar e sonhar, mas é também e será, certamente, de acordar para despertar (o que não implica num discurso político). Antes, ao contrário, na abordagem de seus personagens, a partir de sua realidade social, sem interpretá-la, mas refletindo-se criativamente". Numa segunda edição, realizada pela Editora Mercado Aberto, em 1986, com distribuição nacional mereceu do crítico literário do jornal Estado de Minas, Luiz Correa de Araújo, o comentário: "Entremeando o cordel, o folclore local, as rodas de desafio e a narrativa em si, Capinan provoca uma reflexão sobre problemas sócio-econômicos, sem que em momento algum seja panfletário ou pregador".
Capinan é um dos nossos maiores poetas, ele se impõe por sua palavra e inscreve o ser poeta entre aqueles que, na moderna poesia brasileira, trilham seus próprios caminhos. Analisar os detalhes da sua produção com profundidade seria preciso percorrer uma longa distância, pois, o refinamento de sua formação intelectual faz reviver as imagens de seus sonhos, guardados & perdidos, tornando-se o autor e o primeiro leitor de si mesmo. Assim, refratado numa nuvem mais densa de símbolos, revelando nos planos predominantes da lírica capinanniana. Para ele, a arte de escrever não é somente o reflexo de um tempo delimitado da história, mas a interpretação do homem moderno e suas surpresas poéticas, pois, os novos elementos são sempre transferidos para outras esferas semânticas.
A poesia nutre-se, portanto, do espanto do homem diante do universo, da iluminação e dos enigmas existentes; diante do divino. Para invocar anjos rebeldes, sua lírica é dialética. Ela é feita de tal forma que, por ser despojada de conotações, nos mostra um imenso território lírico, alumbrantemente rico, enquanto obra de arte.Em 1995, Capinan lança dois novos títulos simultaneamente: Confissões de Narciso, com apresentação de Gilberto Gil e Luiz Carlos Maciel, no qual publica poemas escritos na Bahia, desde seu retorno à sua terra natal. Os poemas deste livro possuem versos líricos mais livres que sua produção anterior.
A preocupação com o social ainda está presente, embora mais diluída. No prefácio de Confissões de Narciso, diz seu parceiro Gilberto Gil: "Mais do que nunca, neste livro a poesia de Capinan distingue, elege e prestigia aquilo/aquele que nele permanece. Aquilo que não se perde nas névoas do delírio. Como a um fio de Ariadne atado. Aquilo que, como no sonho acordado do menino, leva-o à exploração das grutas obscuras da fantasia, mas o traz sempre de volta ao ser presente".No outro título, Balança, mais hai-kai, o poeta está mais à vontade no ambiente que mais lhe agrada: o lúdico universo das palavras. Ele brinca de construir pequenas estruturas tendo como paradigma a estética do hai-kai.
Sobre seu retorno à fé na palavra diz: "o hai-kai possui uma forma, sobretudo lúdica, de fazer poesia. É uma forma concentrada, econômica, é faca de uma só lâmina. É difícil dominar este gênero, quanto à sua construção, pelo fato de a sua forma ser estranha à nossa tradição literária, muito embora as nossas trovas contenham um pouco do seu espírito". José Carlos Capinan imprimiu seu nome no panorama cultural brasileiro, não só como poeta, mas como letristas, ele é um dos mais expressivos compositores da MPB, e é admirado, tanto pelas novas gerações de cantores, assim como pelos veteranos. É um dos mais solicitados a fazer parceiros, graças à sua linguagem singular que revive experiências de outros momentos da nossa história. O poeta de 'Soy loco por ti América', 'Viramundo', 'Clarice', 'Maria Mariou', 'Ponteio', 'Corrida de Jangada', 'Gotham City', 'Moça Bonita', 'Papel Marche' lançou, em 1989, uma amostragem dessa produção, resultado de parcerias, no LP Viramundo (CBS), no qual contém uma seleção das músicas que mais se destacaram. Neste CD estão reunidas 149 canções realizadas a partir de 1967, com mais de 30 parceiros.
É um documento indispensável para todos aqueles que desejam conhecer um pouco mais deste expressivo compositor da Música Popular Brasileira, que possui uma inconfundível característica nordestinamente baiana.

Neste CD estão reunidas 1490 canções do poeta José Carlos Capinan realizadas com 30 parceiros, a partir de 1967. Um documento indispensável para todos aqueles que desejam conhecer, um dos mais expressivos compositores da Música Popular Brasileira, tudo isso, com uma inconfundível marca nordestinamente baiana, que lhe é peculiar.

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