sábado, 27 de fevereiro de 2010

A PRISÃO DE VOLTA SÊCA EM SERGIPE

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancissco.santos@gmail.com

O medo da prisão transforma o homem numa fera, é isto mesmo: os crimes dos “macacos” foram iguais aos nossos. Mas nada aconteceu com eles, nem com os homem importantes e ricos do sertão, que nos ajudaram, nos davam armas, dinheiro e comida, continuam ricos e importantes.
Lampião não foi o primeiro dos cangaceiros, mas sua presença marcou o rompimento entre o cangaço e as outras formas de violência e autoridade. Seus antecessores estavam ainda fortemente vinculados aos coronéis, ou às formas tradicionais de controle. Em julho de 1938, Lampião, Maria Bonita e nove cangaceiros são mortos em emboscadas preparada pela polícia, na fazenda de Angico, em Sergipe. Um dos mais importantes cabras do bando de Lampião, Volta Seca (Antônio Santos), fugitivo da Penitenciária do Estado da Bahia, foi preso em Inajaroba, pela força Policial do Estado de Sergipe, comandada pelo oficial do Exercito Capitão Bernardino Dantas. Informação contrária publicada na coluna Gabinete da Interventuria - Noticiário, Diário Oficial de 7 de março de 1944: "Comunico V.Excia, foram capiturados pelo destacamento local, sob comando Cao Mario Gomes Maranhão, bandidos Volta Seca e Manoel Porfírio dos Santos, enviados ontem essa capital. Respeitosas saudações - Edmundo Silveira Coelho, Prefeito interino."

Volta Seca por duas vezes fugiu da cadeia. A primeira foi concedido um “passeio experimental”, saiu e não retornou, ficou perambulando pelas ruas da capital. A segunda vez, fugiu em companhia de outro sentenciação e saiu pela porta principal sem ser percebido. Apesar de não ter sido capturado em combate, a polícia baiana ganharia notável publicidade com a prisão de Volta Seca que ocorreu em virtude do cansaço (longa caminhada a pé pela mata durante vários dias) do companheiro de cárcere que ficou muito doente, ao ponto de querer desistir da jornada. Volta Seca não o abandonou, levou-o nos ombros até o primeiro povoado mais próximo, onde foi reconhecido pela população e denunciado a força pública, em seguida preso e recambiado a Salvador

A notícia de sua fuga do famigerado bandoleiro, deixou a população sergipana preocupada, porque ainda não havia desaparecido do espírito nordestino a época de terrorismo em que o banditismo de Lampião criou nos sertões de Pernambuco, Sergipe, Bahia e Alagoa e de tão graves conseqüências para o homem do campo. Segundo o Dep. de Segurança, “Volta Seca fugiu da Bahia pelo litoral, penetrando neste Estado pelo município de Estância, e sendo preso em companhia de outro bandoleiro, entre os municípios de Inajaroba e Cristinápolis.” (Diário Oficial. 5. março. 1944)

Após tomar conhecimento da fuga as autoridades sergipanas, determinaram rápidas e enérgicas providência, estabelecendo imediatamente contato, com os destacamentos policiais de todo o interior e foi determinada severa vigilância. Força Policial do Estado, que relevante serviços prestou no combate ao banditismo, quando este esteve em plena campanha, traz de público, uma vez mais, a sua disposição de combatê-lo, sempre com mais energia, defendendo, com a sua coragem e a sua técnica militar:

“Transportado de Inajaroba para esta capital, desde a sexta-feira última que aqueles foragidos estão recolhidos à Penitenciária do Estado, à disposição das autoridades policiais do vizinho Estado da Bahia, de onde se evadiram.” (Diário Oficial, 8. março. 1944)

Quando foi preso pela primeira vez, no final de fevereiro de 1932, Volta Seca submeteu-se a exame psicológico realizado pelo Dr. Artur Ramos:

“Atitude de humanidade. Fala arrastado, responde com precisão a questões que lhe propõem. A este exame preliminar, parece haver um certo grau de mitomania. Aumenta um pouco os relatos de crimes dos seus companheiros. Admiração incondicional pelo compadre Lampião, o que denota um certo grau de erostratismo criminal.
Olha móvel, desconfiado, intimidado com a presença de várias pessoas – oficiais da Força Pública – que o inquirem.
Esta vaidade criminal leva-o até a descrer no fracasso de Lampião, que julga invulnerável...”
Segundo Zé Sereno, depois da prisão de Volta Seca, ninguém nunca mais acampou no Raso da Catarina, ou na serra do Chico. Quando o cangaceiro foi preso, Lampião ordenou a divisão dos grupos, entregando o comando aos seus mais experimentados homens: Luís Pedro, Zé Baiano, Velho Cirilo, Jararaca, Manuel Moreno. Cada um com seu grupo formado, saiu do Raso para penetrar nas caatingas. Ao tomar conhecimento da prisão de Volta Seca, Lampião soube que os irmãos Roxo o haviam entregue à polícia e decidiu vingar. Passou na casa dos irmãos e assassinou todos eles, exceto a mãe e um irmão que encontrava-se viajando. Incendiou a fazenda e destruiu plantações.
Um fato curioso é que "desde que fora internado naquele estabelecimento penitenciário, Volta Seca, com o interesse de captar a confiança de seus vigias, dedicara-se a fazer flores de cera e se exercitava na ginástica, trazendo em si a idéia fixa de uma evasão. Foi o que veio acontecer." (Diário Oficial, 5. março. 1944)
Sergipano de Itabaiana, filho de Manuel Antônio dos Santos e Arminda Maria dos Santos, era o sexto dos 13 filhos do casal, nascera em 18 de março de 1918. Volta Seca havia se juntado ao bando de Lampião em 1929, aos onze anos, e não era a primeira criança a ser aceita no bando: Beija-Flor, Deus-te-Guie, José Roque e Rouxinho. Elas era utilizadas na lavagem dos cavalos, no carregamento de água, na arrumação e assepsia de pousos e acampamentos, e foram muitas vezes usadas nos serviços de espionagem. Portanto, a sua passagem pelo cangaço foi rápida, não mais de 4 anos.
Volta Seca saiu pelo mundo devido aos maus tratos da madrasta, pessoa violenta que espancava constantemente os enteados. Percorreu sozinho os sertões de Sergipe e Bahia, até encontra Lampião em Goroso, no município de Bom Conselho. Em entrevista concedida ao jornalista Joel Silveira, em março de 1944, na Penitenciária da Feira do Cortume, situado na Baixa do Fiscal, Volta Seca diz que no princípio apanhava quase que diariamente de Lampião e outros cabras do grupo. Mas depois endureceu o cangote e o "primeiro que me apareceu com ares de pai, recebi com a mão no rifle."
Por ser menor, Volta Seca teve que aguardar a maioridade, 21 anos para ir a julgamento. Transferido para Queimadas (BA), a fim de responder por crimes do banco naquele local. Condenado a 145 anos de cadeia no primeiro julgamento, Volta Seca teve a pena reduzida para 30 anos de reclusão. Mais tarde o processo foi revisto e a pena reduzida para 20 anos. Em 1954,Volta Seca foi perdoado pelo Presidente Getúlio Vargas. Em liberdade, analfabeto e um homem marcado pela sociedade, viu-se diante de um grande desafio. Casou-se e foi morar no Nordeste, quando recebe um convite para morar em São Paulo, do cineasta e diretor Lima Barreto, para assistir e criticar o filme O Cangaceiro (1953), mediante uma gratificação. O ex-cangaceiro condenou a cena em que Lampião chicoteia um cabra na cara. Diz que nos sertões não se faz isso com homem, se mata, pois cara de homem no nordeste é sagrada. Graças as novas amizades conseguiu emprego na Estrada de ferro Leopoldina, onde trabalhou por vários anos. Cantor e compositor em 1957 Volta Seca gravou pela Continental o LP, com apenas 8 faixas, As Cantigas de Lampião, com instrumentação do maestro Guio de Moraes: Acorda Maria Bonita, Escuta Donzela, Eu não pensei tão criança, Lá prá Mina, A Laranjeira, Mulher Rendeira, Lampião e Sabino, Se eu Soubesse. Em 1959, teve o baião A Laranjeira gravado por Zé do Baião e no ano seguinte por José Tobias a toado Se eu Soubesse.

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