segunda-feira, 5 de julho de 2010

A POESIA DE JOSÉ SAMPAIO

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico. gilfrancisco.santos@gmail.com

O poeta José Sampaio é um eterno estranho no ninho sergipano. A clareza da linguagem de sua obra é a poética da liberdade e da transgressão, que expõe contradições e paradoxos, está dotada de uma fúria verbal que se manifesta em versos como quem morre. Recentemente, durante o lançamento dos livros Dios Ensangrentado e Crepúsculo de Esplendores, do poeta Santo Sousa, lançados em 2 de junho, no salão do Residencial Emanuel Fonseca, belíssimo evento com recital de poesia e música, conheci Danilo Sampaio, filho do poeta, apresentado por Amaral Cavalcanti. O teor da conversa foi literatura e acabamos na obra de José Sampaio e ele me confidenciou o desejo em ver a obra do pai, numa edição didática, preparada para estudantes.

***
O historiador e pesquisador Jackson da Silva Lima, incansável pesquisador da literatura sergipana, sem dúvida, é o descobridor do poeta sergipano José de Aguiar Sampaio (1913-1956), pois a ele coube organizar e anotar dois livros importantes para a divulgação e compreensão de sua obra: Esparsos e Inéditos de José Sampaio, 1967, e Poesia & Prosa, 1992, ambos esgotados.
José Sampaio é um poeta de grandeza incontestável, que elaborou uma obra singular, requintada, extremamente rica em imagens e de vigorosa construção, referência fundamental no cenário literário sergipano. Sampaio produziu poesia como processo de iluminação ou poética iluminada pela lucidez. Sua poesia caracteriza-se por uma reafirmação da imagem, do mundo como imagem, pelo fato de ser uma poesia de significados e não de signos, uma poesia original, de profundo sentimento humano.
Latente, onde exercita o ofício de contenção, com o objetivo de ultrapassar o lirismo e a musicalidade de seus versos. Com muitas associações de imagens e simultaneidade, a linguagem coloquial, produziu sempre uma poesia simples. Em linhas gerais, busca a estrutura da linguagem e da realidade representada, do núcleo temático.
Em sua obra poética, de versos espontâneos, fluentes, sentimos o gemer de uma dor, a agonia de uma alma enferma. O poeta viveu numa época de desafios cotidianos, que necessitava enfrentar esse desafio enquanto vivia, tanto no plano pessoal como profissional.
Tudo, porém, cheio de nobreza, expresso num estilo gracioso. Nos seus textos apresentados estão, presentes sua alma e angústia, pois sua obra é dotada de sensibilidade apurada, de imaginação fertilíssima. O poeta José Sampaio produz o texto como sente, num equilíbrio entre a inspiração e a expressão, entre a beleza que o rodeia e a beleza da realidade, tudo isso acentuado de um penetrante espírito de observação.
Um poeta interessado no ideal de justiça para todos os homens, procurando sempre estimar os humildes nos seus poemas e na prática diária de seus atos. Foi um poeta social, comovido com os sofrimentos do povo, como poeta e como homem. Militou na poesia social, cuja temática centrasse na denúncia dos problemas, das desigualdades sociais do país, inclusive colaborando, em 1938, na revista baiana Seiva, ligada ao Partido Comunista.
O “poeta dos humildes” nasceu na então Vila do Carmo, hoje cidade de Carmópolis, em 2 de maio de 1913, sendo seus pais Gaspar Leite Sampaio e Honorina de Aguiar Sampaio, ambos pertencentes à classe média.
Cursa as primeiras letras em sua cidade natal e, nos anos 20, em Riachuelo, para onde seus pais se transferem. Nos meados de 1930, José Sampaio freqüenta a redação dos jornais riachuelenses Poliauto e O Riachuelo, tornando-se diretor-secretário do primeiro. Neste mesmo ano, juntamente com José Menezes e Alfredo Sampaio, integra a Comissão de Ornamentação do Cine-Teatro Riachuelense para a parte literária da festa dedicada ao Dia do Crisântemo.
Em princípio de 1932, encontra-se residindo em Capela, onde se estabelece com uma casa comercial. Um ano depois, transfere-se para a capital e passa a trabalhar no comércio, além de ser revisor e gerente de vendas do jornal A República.
Estabelecido em Aracaju, trava conhecimento com jornalistas, intelectuais de esquerda, líderes estudantis e sindicais, avançando nos seus ideais progressistas. Participa da vida cultural intensa, das rodas literárias e da boemia, freqüenta as redações dos jornais e se torna habitué dos bares e cabarés. É eleito, em 1936, suplente do Conselho Fiscal da Associação Sergipana de Imprensa, quando também colabora assiduamente em vários jornais estudantis ou alternativos.
Graças à atividade de caixeiro-viajante, a qual desempenhou até 1945 (ano em que se casa com Jaci Conde Dias e juntos tiveram os filhos Danilo e Liana), percorre todo o Estado de Sergipe, estabelecendo contato direto com a gente do interior.
No final da década de 40, transfere-se com a família para a cidade baiana de Feira de Santana, onde compra um armarinho e participa das atividades culturais. No início de 1954, visita Aracaju a convite do escritor José Augusto Garcez (1918-1992) e trouxe os originais do livro Nós Acendemos as Nossas Estrelas, publicado meses depois.
No ano seguinte, agravam-se os sintomas da doença que o levaria à sepultura. Vai ao Rio de Janeiro e a São Paulo em busca da cura, mas o esforço é inútil: José Sampaio faleceu em Aracaju a 4 de abril de 1956, vítima de câncer.
A sua bibliografia, de grande importância para a literatura sergipana, é formada pelos títulos Nós Acendemos a Nossas Estrelas, Aracaju, Movimento Cultural de Sergipe, 1954; Obras Completas de José Sampaio, Aracaju, Livraria Regina/Movimento Cultural de Sergipe, 1956; Esparsos e Inéditos de José Sampaio, Aracaju, Nova Editora de Sergipe, 1967 e Poesia & Prosa, Aracaju, Sociedade Editorial de Sergipe, 1992.
Apesar do grande significado e valor estético de sua obra, José Sampaio ainda não tem proclamado, na dimensão devida, o reconhecimento da importância de sua poesia, que não aconteceu no cenário nacional, a exemplo de conterrâneos como João Ribeiro, Sílvio Romero, Tobias Barreto e Jackson de Figueiredo.
Confira alguns dos seus poemas, cujo meu primeiro contato foi através do cineasta baiano Olney Alberto São Paulo (1936-1978), de quem fui seu assistente no filme Festa de São João no Interior da Bahia, dirigido por Guido Araújo, através do artigo A Morte de um Poeta, por ele escrito e publicado n’O Coruja, 27, maio, 1956, em Feira de Santana.


Dia que vem — 1935
Gente
passando a mão no rosto
para afastar o sangue
dos olhos vermelhos,
para avançar.
O velho imprestável
rejuvenesceu
pra grande luta
libertadora.
Na confusão,
a própria consciência
do grande ideal
morreu afogada
no sangue dos homens.
Agora a alegria
de querer matar
é o medo inconsciente
de morrer primeiro.
A tragédia sorrindo
um sorriso trágico.
Há risadas mudas
nas bocas mortas.
Que coisa impossível:
a dor cantando
o poema alegre
da liberdade.
E a nação
ressuscitará
sobre o montão
das pessoas mortas.
E se for mentira
a ressurreição?

A marcha das lágrimas — 1936
Continuou quebrando a paz da vida,
mãos alevantadas como gritos,
olhos alarmantes como a fome.
Onde estavam
a beleza da terra
e a alegria da felicidade?
As estradas
estavam avermelhadas
dos pés humanos que sangraram.
E toda aquela gente
morria de cansaço
atrás da paz e da beleza
porque
em proporção que acelerava a marcha
as estradas cresciam
na mesma crueldade inconsciente.
Mas uma mão estranha
acalentava a dor daquele povo.
Parece
que uma cidade santa
nascia nos sentidos
pois
os mais felizes que tombavam logo
morriam fitando com inveja
a marcha gloriosa.
Primeiro o pensamento
tinha feito a viagem
e a cidade existia
grande como um sorriso.
A paz
embalaria aquele povo.
A graça voltaria nas mulheres
e o amor constituiria
o sossego dos velhos
e a felicidade dos moços.
E brinquedos bonitos
acordariam a alegria dos meninos.
Entretanto,
os ritmos da caminhada
rolavam pelos caminhos
no mesmo rumor de choro
como línguas vivas.

A revolução das ruínas
O rumor que veio desta lembrança
amedrontou meu silêncio.
No meu modo de ver, pelo menos agora,
as ruínas se revoltaram debaixo dos edifícios novos.
São lembranças estranhas
de tudo que ficou debaixo do mais forte.
Há um sofrimento infinito nestes seres pisados,
mas não há choro nesse clamor subterrâneo.
As grandes dores
geram a alegria trágica do ódio.
É a decadência querendo levantar-se
para ressuscitar
na glória de suas causas de palha,
na felicidade dos seus homens brutos
e na alegria de sua antiga liberdade.
Geração que foi enterrada
querendo romper o túmulo dos arranha-céus
para apagar
todas as luzes da civilização.
A luta rasteirado que caiu
para nunca mais levantar.
Revolução infeliz,
tão infeliz que não morre
para viver das derrotas.
Luta impossível
contra o indiferentismo do tempo
e a ironia espontânea do progresso.
Meu pensamento, agora,
é a lembrança estranha
deste profundo anseio de liberdade
que estremece a cova das ruínas.
(1936)

Sarjeta
Eu olhei muito a sarjeta,
a água correndo mansa e clara,
sorrindo no cristal dos caracóis.
Mas, eu vi lá no fundo
a tristeza do lodo
cobrindo o chão de luto.
E me lembrei tanto da humanidade.
Por que é que não limparam
o fundo das sarjetas?
(1936)


As ruas
A palavra precisa ser simples,
como água,
ao alcance de qualquer ouvido.
Do ouvido das ruas,
porque as ruas possuem a maior força
e não chega uma voz despertando.
Mas quando as coisas foram ditas
na linguagem simples do povo,
as ruas não suarão tanto, inutilmente.
(1942)

A HISTORIADORA MARIA THÉTIS NUNES

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com
“Já, estou aposentada pela Universidade Federal de Sergipe há mais de oito anos. depois de ter ensinado durante quarenta e sete. De certa forma ultrapassei um pouco o tempo estipulado para que um trabalhador aposente-se. Só me aposentei porque todo mundo se aposenta um dia e também por causa das determinações que foram realizadas para que eu me aposentasse. Mas isso não fez com que ficasse parada, sempre participo de debates como palestrante sou presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e faço parte do Conselho de Cultura do Estado”.
Maria Thétis Nunes

Os pesquisadores da historiografia brasileira são pessoas possuidoras de um tipo especial de obstinação. A vista das circunstâncias, elas vão de fungos e cupins, de reformas e demolições, até a falta de compreensão dos dirigentes de instituições que possuem documentos importantes em seus arquivos.
Em Maria Thétis Nunes reuniram-se algumas das mais altas, puras e nobres características a que uma pesquisadora pode aspirar: a retidão e firmeza de caráter, a exemplar coerência de pensamento e aguda capacidade de interpretação. Ou seja, Thétis é, de fato, uma historiadora que alia à pesquisa cuidadosa uma forma correta de escrever sobre o tema escolhido. Por certo, essa sua personalidade foi fator determinante para torná-la numa das primeiras historiadoras sergipanas a consignar a seu nome uma dimensão pública.
Ao aliar talento, rigor profissional e capacidade de trabalho, a professora Thétis possui hoje uma bibliografia formada por mais de dez títulos, entre os quais Os Árabes: Sua Contribuição à Civilização Ocidental, 1945; Ensino Secundário e Sociedade Brasileira, 1962; Sergipe no Processo da Independência do Brasil, 1973; Sílvio Romero e Manuel Bonfim: Pioneiros de uma Ideologia Nacional, 1976, Ocupação Territorial da Vila de Itabaiana: a Disputa entre Lavradores e Criadores, 1976, História de Sergipe a partir de 1820,1978; Geografia, Antropologia e História em José Américo, 1982, juntamente com Manuel Correia de Andrade e José Otávio Melo; A Política Educacional de Pombal e sua Repercussão no Brasil-Colônia, 1983; História da Educação em Sergipe, 1984; Sergipe Colonial I, 1989; Sergipe Colonial II, 1996.
Com a publicação de textos em vários periódicos do país, chegando a mais de duas centenas de artigos e ensaios – isso, de 1948 até 1999 – a maioria deles sobre temas sergipanos, alcançamos os objetos obsessivamente perseguidos e trabalhados pela autora na lapidação de suas questões fundamentais e inaugurando uma perspectiva historiográfica nova. Ou seja, tudo isso ajuda a compreender melhor o sentido de sua reflexão sobre a história do nosso Estado.
A postura, o fazer e a sua interpretação como pensadora da cultura brasileira acentua o relevo de sua obra, mais do que isso, a sua visão arguta do espaço histórico é algo impossível de não se reconhecer no seu trabalho, aliás, como o faz nas contribuições modelares, Ensino Secundário e Sociedade Brasileira e A Política Educacional de Pombal e sua Repercussão no Brasil-Colônia.
Criadora de uma obra séria, erudita, que traz elementos novos à compreensão da historiografia brasileira, provando que a historiadora se afirma pela descoberta feita nos arquivos, antes, de mais nada; e pelo conhecimento de fontes numerosas nem sempre fáceis de serem encontradas.
Pesquisadora arguta e incansável, Maria Thétis Nunes busca novos caminhos, novos objetos e novas interpretações no quadro da História do Brasil. Algumas de suas obras já se tornaram leitura obrigatória para quem quer ter uma visão não acadêmica, não tradicional, de fatos tão marcantes de nosso passado. Sem falar na importante contribuição à vida cultural brasileira com a autora comentando obras de terceiros, responsável muitas vezes pelo enriquecimento de algumas delas ou pelo impulso que deu a alguns autores estreantes, ou contribuindo para edições póstumas de autores consagrados.
Suas pesquisas sempre provocam amplo debate sobe o tema, abordado, visto que suas análises não ficam nas “meias palavras”. Ataca frontalmente, batendo duro no resgate do passado “maquiado” pela historiografia “oficial e comprometida”. Sua obra encontra-se ao alcance de professores e estudiosos da nossa historiografia, consulta obrigatória para qualquer brasileiro culto.
Por isso, não pode deixar de ser lida sob pena de incorrer-se em distorções e omissões. Seus estudos representam um momento culminante em nossas letras quer na avaliação dos contemporâneos, quer na análise de obras do passado, de um João Ribeiro, Tobias Barreto, Felisbelo Freire e inúmeros outros os quais se pronunciou Maria Thétis Nunes com acerto.
Portanto, o seu nome é um dos mais importantes no campo da divulgação do pensamento dos grandes de nosso passado, destacando-se pela posição pioneira que ocupa em nossas letras.


Nota
A professora Maria Thétis Nunes, faleceu em Aracaju, a 25 de outubro de 2009, aos 86 anos.

Aracaju. Jornal da Cidade, 20 de setembro de 2000.

JOÃO RIBEIRO E O 8 DE JULHO

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com




Pela Lei nº 17, de 9 de fevereiro de 1839 da Assembléia Provincial de Sergipe, foi decretado feriado o dia 24 de outubro. Esta data, porém, segundo Mondim Pestana e Lima Júnior, não tem historicidade. Em 1920, João Ribeiro retoma o ponto de vista de ambos e nega a historicidade do 24 de outubro. O Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – IHGS protestou, chamando-o de “besta do apocalipse” e dirigiu-lhe um protesto através de ofício, encaminhado ao mesmo, que lhe custou à exclusão do quadro de sócio do IHGS e conseqüentemente a cassação do título. Ao recebê-lo, com bom humor, imediatamente escreve uma palinódia, publicada na seção “dia sim, dia não” do Jornal do Brasil em 25 de julho de 1926:

“Tupã, Caramuru

Chegou a divindade de longe, Deus ignotus, propício à gentilidade cabocla.
Esse deus, com um bacamarte de pederneira apanhado nos desvãos do Catete, e com um barril de pólvora escapou ao naufrágio, é bem o Júpiter mandado à fábula coaxante das rãs, sequiosas de um rei novo.
Se lhes faltar algum papel para a bucha dos foguetes e das girândolas festivas, cá está o ofício do Instituto, que recambiarei patrioticamente para maior Lustre das festas da minha santa e amada terrinha.
Eu sei que há virtudes excelsas, como sejam o patriotismo e outros males sergipanos. Sei igualmente que Cyro de Azevedo não merece os doestos que vão atribuir à minha pena, que antes rabiscaria elogios ao homem, ao cidadão, ao intelectual e ao artista.
Não lamento os seus propósitos de salvar a pátria do bom General Lobo, celebrado injustamente por certos aspectos artméticos da sua popularidade.
Lamento só o Instituto Histórico, que teve língua solta para me xingar e agora está entalado, engasgadíssimo com o bacamarte soberano.
Eu também (desculpem a modéstia) pertenço a vários e grandes Institutos, ao do Rio, ao de São Paulo, e ao do Ceará; esperava juntar a esses diplomas medíocres o do Instituto de Sergipe.
Perdir, porém, a partida e confesso-me entristecido.
Meu admirável Instituto do Cotinguiba não lasque mais protestos nem papel com ofícios.
Coma sossegado engula com paciência, mas não vomite na praça pública.
Não é assim que se escreve a história nem a geografia”.
O poeta baiano Gregório de Mattos (1636 1696), satirizou no soneto Aos Caramurus da Baía, os brasileiros (brancos) que se diziam descendentes de tupi. Zombava, assim, não só da fidalguia nascente que se orgulhava das origens nativas, como da própria linguagem, eivada de termos túpicos. É provável que João Ribeiro, leitor do boca do inferno, fosse buscar nos seus versos satíricos de Gregório uma resposta para os intelectuais sergipanos.
Alguns sergipanos, afirmava na época, que João Ribeiro não amava a sua terra natal, talvez por ele nunca voltar a Sergipe, pois saíra em 1881 para estudar medicina na Bahia, mas logo percebendo não ser a sua vocação, abandona o curso e muda-se para o Rio de Janeiro, com o propósito de matricular-se na Escola Politécnica. Desistindo de ser engenheiro, dedica-se ao jornalismo, em que logo se destaca. Não é verdade que não amasse torrãozinho. Sobre Sergipe ele publicou no Jornal do Brasil em sua edição de 24 de outubro de 1925, o seguinte:

“Sergipe é a minha terra e que bela terra! Canaviais verdes e extensos que aveludam os campos, igrejinhas brancas e sonoras, rios lentos e céu sempre azul!
É um paraíso. O grosso daquela gente compõe-se de lazarones contemplativos que não conhecem as grandes tristezas da vida civilizada. Fazem as suas casas pelo método bolchevista do muxirão: uns trazem as palmas para o teto, outros o barro e outros as varas de camboatá.
Está à casa feita. O Sergipano ali se aloja com mulher e filhos; através da palhoça feliz há umas bananeiras e a árvore derramada do cajueiro; por ali por perto formigam os caranguejos, alimento fosfórico, salutar e formidável aos deleites da procriação.
Nada de tudo isto custa um vintém.
Entretanto, o sergipano trabalha algumas vezes na intermitência das safras e ganha uns dinheiros supérfluos para certos luxos indispensáveis: primas e bordões de vida e alguns metros de chita e de madrasto”.

Portanto, o 24 de outubro que depois de 1930, com a implantação da Ditadura no Brasil, tornando-se realmente histórica para a nação, fez com que João Ribeiro exclamasse: Qual! Meus conterrâneos são mesmo profetas!
Durante as comemorações do Primeiro Centenário da Emancipação Política de Sergipe, o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, em Ato de 16 de abril de 1919, resultado da reunião da Comissão Executiva do Centenário, resolve publicar o nº9 (Especial) da Revista do IHGS, com colaborações de: Manoel Caldas Barreto Netto, Costa Filho, Armindo Guaraná, Prado Sampaio, Francisco A. de Carvalho Lima Júnior, Hermenegildo Leão e outros; com lançamento prevista para 8 de julho de 1920. Já o Presidente do Estado de Sergipe, Coronel Pereira Lobo “justificou a razão de seu pensar relativamente à data em que devem ser celebradas as festas do Centenário – 24 de outubro, em lugar de 8 de julho de 1820”. Por este motivo o Estado de Sergipe comemorou a passagem dessa memorável data em 24 de outubro. Ver artigo Primeiro Centenário da Emancipação Política de Sergipe, publicado no blog www.cinformonline.com.br (Gilfrancisco)

O CONTISTA JEOVÁ SANTANA

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com
Um bom contista é aquele que tem a capacidade do ousar, de lançar-se sem medo e ter o poder de colecionar detalhes ou cenas quaisquer. Ele nunca perde o rumo e sempre consegue dar emoção e encantamento à nova maneira de dizer, deixando a linguagem desempenhar o seu papel de representação de si mesma. Essas são algumas características do estreante contista Jeová Silva Santana, Menção Especial do Prêmio Núbia Marques – Contos, Dentro da Casca, Aracaju, Fundesc/Segrase,(abas da professora. Maria Lúcia Dal Farra), 1993, 58 p.
Na obra em questão, vamos encontrar um escritor preocupado com o destino do homem e perplexo diante dos desencontros que marcam a nossa época, ao tempo em que revela um tratamento e estilo que mostram a constante evolução (experimentos) de sua prosa, em busca de depuramento formal, e de sempre melhor transmissão de idéias. De modo geral, sua narrativa (o narrador pode estar muito próximo ao que conta, por vezes sendo até sua própria personagem, como pode afastar-se e narrar com pretensa indiferença), está voltada para um passado recente, resgatado pela memória. Esta distância – que é espacial e temporal em relação ao narrador, ainda que os tempos verbais coloquem-se por vezes num pretenso presente – facilita a perspectiva de empatia com que ele se refere às suas criaturas.
Sobre o livro de estréia diz o crítico Alberto Carvalho (1932-2002): "Jeová tem duas qualidades de um escritor: domínio da língua e imaginação. Isto permite que seus "exercícios" (como, modestamente, ele denomina suas ficções) explore as possibilidades do mercurial gênio do conto e extaia da concisão, o relato curto, o conto fora da casca, que pode oscilar entre a narrativa alongada chegando até a novela". Ou Antonio Oliveira: “Vem confirmar as boas qualidades do ficcionista já conhecido e premiado de suplementos e antologias. Uma coisa, porém, é o que se pode perceber e avaliar em escritos avulsos, esparsos, preferenciais, e outra, bem diferente, a abordagem que permite um conjunto de dezoito contos”. Como se pode observar com clareza, no conjunto dos contos do livro Dentro da Casca, o autor apresenta surpresa das coisas que são realmente novas e originais. Onde a dolorosa solidão e a incomunicação humana são traduzidas especialmente pelo despojamento completo do cenário cotidiano. A visão de um mundo amargo é transgredida por certa ironia, perpassando pela maioria dos textos. Todo o absurdo da condição humana está presente, com suas contradições afetivas, morais, sociais, religiosas, que se cristalizam algumas de suas principais características de ficcionista.
A Ossatura (Recife, Editora do Autor/Edições Bagaço, 2002, 140 p.), seu segundo livro, reunindo vinte cinco contos, divididos em quatro partes: I Iniciação, II Véus, II Agrestes e IV Lápides, mereceu na época de sua publicação, um lúcido comentário do crítico Léo Mittaráquis: "A Oussatura traz o sinete do amadurecimento lírico do autor. E o que é muito interessante, o demonstra via uma aparente simplicidade arquitetônica, quando percebemos nas pequenas cidades, numa primeira leitura caracteristicamente descuidada, apenas fachadas geométricas, típicas das casinhas em rosa e azul, quase que imanentes à cultura interiorana, incluindo-se dia-a-dia e imaginário".
Jeová Santana persegue as palavras dias e noites por becos assombrosos, às vezes habitados por terríveis fantasmas, atravessando tormentas, correndo todos os riscos da loucura que é produzir, textos de supremo prazer experimentado por poucos; sempre em busca de uma linguagem inovadora. A emoção do contista-poeta cresce nas graduações do amor que a cidade revela, com suas ruas e ofícios que afloram de outras cidades. Assim, juntos, memória e coração, produzem em gestos de amor candente, um texto que palpita de suas fissuras cósmicas.
Para o contista Jeová Santana, cada palavra tem um peso, um valor, um volume, uma cor própria, uma medida justa. Em linguagem direta, às vezes dura, mostra-nos um painel da realidade que nos circunda, vista através de um microcosmo que reproduz o macrocosmo. Uma reflexão sobre a violência, poder e opressão em todos os níveis, que se unem para asfixiar o ser humano
Tudo nos chega em termos convincentes, num texto trabalhado por alguém que se debruçou sobre o fenômeno e o sentiu na própria pele, para que ele busque dar sempre mais o testemunho de seu tempo e de sua gente. Não é a primeira vez – nem a última, por certo – que afirmamos ser Jeová Santana possivelmente o escritor (da sua geração) de melhor texto entre todos os que hoje se dedicam às letras em Sergipe.
Inventário de Ranhuras (Brasília, L.G.E. Editora/Fundação Universidade Estadual de Alagoas/Banco do Nordeste, 2006, 183 p.), obra que apresenta trinta e cinco contos, divididos em quatro partes: Porões, Lâminas, Guardados e Alcovas. Em cada um desses compartimentos "o autor exercita mais do que o seu olhar, o seu andar por dentro da consciência, na qual os homens remoem as suas culpas, os seus pecados, os seus descasos ou procuram escapar às suas dores, às suas falhas", assim, define a romancista sergipana Gizelda Moraes. O consagrado contista maruinense, Vladimir Souza Carvalho, sobre Inventário de Ranhuras afirma: "mantem-se, formalmente, na mesma linha do livro anterior, no qual se relaciona, especificamente, a divisão de temas". E prosegue adiante no mesmo artigo "reitera sua excelente posição entre os melhores contistas sergipanos, na atualidade vivida, já manifestada, anteriormente, com Dentro da casca, depois com A Ossatura e, agora confirmada, com Inventário de Ranhuras".
O domínio de Jeová Santana surpreendente, de técnicas e linguagem inovadora graças ao amadurecimento literário é um fato que não podemos negar; talvez, por ser uma das maiores surpresas reveladas no conto, pela literatura sergipana dos últimos dez anos. O contista tem ainda inédito sua tese de mestrado, defendida em 2000, na Universidade de Campinas (Unicamp), A Crítica Cultural no Ensaio e na Crônica de Genolino Amado
Jeová Silva Santana nasceu em Maruim em 17 de outubro de 1961, mas desde os três meses de idade reside em Aracaju onde fez todos os seus estudos. Formado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), foi um dos coordenadores do suplemento Arte & Palavra (1990/1993), do extinto Jornal da Manhã e assinou a seção Outras Palavras (1995/1996), no semanário Cinform.

A quem interessar Possa (Fortuna Crítica)

- Dentro da casca (abas), Maria Lúcia Dal Farra. Aracaju, Dentro da casca, Jeová Santana. Segrase,
1993.

- O conto fora da casca, Alberto Carvalho. Aracaju,Arte & Palavra,Ano III, n.35, ago. 1993.
- Um livro surpreendente. Aluysio Mendonça Sampaio. Aracaju, Arte & Palavra, Ano III, n.35,
ago. 1993.
- Jeová Santana e seus primeiro livro, Antônio Oliveira. Aracaju, Arte & Palavra, Ano III, n.36. set.
1993.
- Os Ossos do Ofício, Léo Mittaraquis. Revista Aracaju Magazine, 2003.
- Maruim, Jeová, Ossatura, & Cia, Vladimir Carvalho. Aracaju, Jornal da Cidade, 29. abr. 2003.
- O silencioso ofício de Jeová Santana,Luiz Eduardo Oliveira. Aracaju, Jornal da Cidade, 28/29.
mai. 2003.
- Em busca de novos públicos, Cinform. Aracaju, 13 a 19. mar. 2006.
- Entre cascas, ossaturas e ranhuras: a contística de Jeová Santana, Luiz Eduardo Oliveira. Aracaju,
Cinform, 10 a 16. abr. 2006.
- Inventário de Ranhuras, Vladimir Souza Carvalho. Aracaju, Jornal da Cidade, 20. abr. 2006.
- O contista Jeová Santana, GILFRANCISCO. Aracaju, Cinform, 21 a 27 de jun. 2010.

UM POETA RUSSO NA BAHIA: IEVTUSCHENKO

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmal.com
Ao poeta Damário Dacruz

Célebre aos 34 anos, seu nome rompeu uma muralha de silêncio que muitos outros, injustamente, não quiseram ou puderam romper. Ievtschenko abalou os meios editoriais e políticos do Ocidente empunhando a bandeira do anti-stalinismo. Poeta mais popular da Rússia e o mais conhecido no Ocidente depois de Maiakóvski, aos 53 anos de idade, chegou pela primeira vez no Brasil a convite da Fundação Rio/Arte, onde participou de um recital na Casa de Cultura Lauro Alvim, em Ipanema. Depois de passar pelo Rio de Janeiro, chega finalmente a Salvador para um recital na Reitoria da Universidade Federal da Bahia e participará da inauguração da Fundação Casa de Jorge Amado, seguindo para Recife e São Paulo. Estive por várias vezes com o poeta em Cuba e ao chamá-lo de revisionista o deixou bastante irritado. Este rebelde irreverente, que tem criticado a burocracia estatal de seu país, é um ídolo popular na União Soviética e têm publicado mais de 200 livros em dezenas de idiomas. No Brasil, Ievtuschenko tem somente três livros publicados (1)

Nascido em Zimá, pequena cidade camponesa da Sibéria, situada na região de Urkutsk em 18 de julho de 1933. Ievgueni Ievtuschenko, filho do geólogo Alexandr Gangus e de uma geóloga, que mais tarde se tornaria cantora profissional. Sendo o futuro poeta, neto por parte da mãe de um guerrilheiro siberiano que chegou a ser general do Exercito Vermelho, e fora executado durante os expurgos políticos de 1938. Ievtuschenko fez curso secundário em Moscou por volta de 1944, e sempre orgulhou – se em ser mau aluno e grande vagabundo, e se distingue dos demais pelas más notas e péssima conduta, no que resultou sua expulsão, sendo obrigado a retornar a Kasachstah, onde seu pai trabalhava juntamente com um grupo de geólogos.
De volta a Moscou, o distanciamento da mãe e o inter-rompimento dos estudos, o leva a escrever suas primeiras poesias e aos dezesseis anos, publica seu primeiro poema, em o Pensamento Soviético. Só a partir desta publicação é que Ievtuschenko dedica – se exclusivamente aos estudos literários devorando Joyce, Faulkner, Proust, Hemingway, Rimbaud, Baudelaire, Varlaine, Eliot, Rilke e os clássicos russos, todos conseguidos através de amigos. Em 1952, apareceu sua primeira coleção de poemas Exploradores do Futuro, seguidos de A Terceira Neve; Estação de Zimá, 1955, autobiografia que o tornou famoso da noite para o dia e um ano depois O Rastro dos Entusiastas.
Durante os anos de 1953 – 1954, ocorrem na Rússia à primeira controvérsia pós- staliana, quando as discussões críticas – literárias surgiram entre o partido e os intelectuais, o que levou a realizar – se em dezembro desse ano, o II Congresso Geral dos Escritores, tendo como resultado a reabilitação de vários escritores vítimas dos expurgos stalinistas, e dois anos depois a euforia revisionista chegava ao auge, tornando – se líder da juventude soviética, inconformada com os resquícios stalinistas.
Com Nikita Kruscheve, que em 1956 denunciou os abusos cometidos durante os anos em que Stalin estivera no poder, assistiu-se ao período de relativa distensão que ficou conhecido como “degelo”. Surgiram os poemas de protesto de Ievguêni Ievtuschenko, que ousou tocar em chagas da história soviética das quais era tabu falar, como o massacre de judeus na ravina Baby Iar, durante a Segunda Guerra Mundial. O poema Medo, originalmente publicado na revista “Jovem Guarda”, em 1966 é um desses textos que denunciam o horror da repressão:


O medo está morrendo na Rússia,
como os fantasmas dos anos passados;
de vez em quando, no adro das igrejas,
ainda pede esmola qual mendiga.

Mas eu me lembro quando ele era forte
e sua falsidade triunfava.
Em cada andar dos prédios se esgueirava
sua sombra, em toda parte penetrando.

Tornava a todos nós obedientes;
Nas coisas todas punha o seu selo;
fazia-nos gritar quando era a hora
de calar; e calar na vez do grito.

Isso tudo, hoje em dia, está distante.
Estranho hoje é lembrar como temíamos,
em segredo, que nos denunciassem,
que viessem bater à nossa porta.

E o medo de falar com um estrangeiro?
E o medo de falar com sua mulher?
E o medo ilimitado de ficar
sozinho e em silêncio em meio à praça?

Ninguém temia andar no nevoeiro,
nem enfrentar as balas na batalha.
Mas tínhamos o medo, tão freqüente
e mortal, de falar conosco mesmos.

[...]


Eu queria que o medo que tivéssemos
fosse o de condenar sem julgamento,
de degradar idéias com mentiras
e, com mentiras, exaltar pessoas,

o medo de ficar indiferente
quando alguém sente dor, é perseguido,
o medo de não sermos destemidos
quando pintamos ou quando escrevemos.
Em 1957, Ievtuschenko é expulso do Komsomol e da Escola Superior, primeiro por não pagar pontualmente sua cota e segundo por não freqüentar assiduamente as aulas. Neste ano, publica A Promessa e atrai à atenção dos leitores, uma combinação de lirismo sutil com um fervente caráter publicitário. Um fato curioso ocorreu em 1962 quando o poeta publicou os livros: Ternura e Com o Braço Estendido, e de maneira surpreendente foi feita uma tiragem de cem mil exemplares, quando o habitual seria dez mil. Na realidade Ievtuschenko era mais uma vez protegido por revisionistas, pois durante o governo de Kruschev, era um colaborador interessante, desenvolvendo uma atividade criadora intensa, o que não aconteceu com seu sucessor. Depois dos acontecimentos de 8 de março do ano seguinte, quando realizou – se o II Encontro dos Dirigentes do Partido e do Governo com escritores e artistas, Kruschev discursa contra o liberalismo político – cultural, confessando partidário das tradições do realismo socialista, proclamando guerra contra o formalismo na arte.
A má conduta dos escritores que viajaram ao exterior, tais como Vozniessiênski, Paustouski, Nekrassov, Kataiev, sobretudo Ievtuschenko, não havia correspondido com a confiança que Kruschev esperava, pois tiveram várias oportunidades de viajarem ao estrangeiro: América, Cuba, Alemanha, França e outros países. Ievtuschenko por onde passou, fez propaganda de um comunismo revisionista, liberal, provocando confusas idéias, concedendo entrevistas e escritos biográficos para jornais e revistas, relatando acontecimentos repugnantes, inclusive atacando severamente Ehrenburg. Motivado principalmente pelas suas memórias Homens, anos e Vida, que teve início à publicação em agosto de 1960 na revista soviética, Novo Mundo e, por fim favorecido por sua coexistência intelectual e ideológica imprevisível, fora convertido tanto no Oriente como no Ocidente, em símbolo do conflito de toda geração.
Tanto Ievtuschenko como Vozniessênski e Akssionov, pertencentes ao vanguardismo literário soviético, tentarão desesperadamente retomar seus nomes literários, mas quase em vão. Ievtuschenko publicou vários poemas comovedores e partes de uma epopéia em versos, renunciando sua Autobiografia Precoce, publicada na França em 1963, onde ele não perdoa ninguém: os cínicos, os burocratas, os arrivistas o Partido. É a visão de um poeta que ama a sua pátria e procura distinguir o povo da classe governante que o proletariado se divorcia. São relatos das suas experiências no campo político e literário. Suas descobertas, que ele precisou percorrer toda a União Soviética para buscar sua identidade de poeta. Nela, esforça-se muito para opor ao conceito de poesia maldita e de poeta “fora da lei” e de poeta-funcionário. Ievtuschenko frisa do livro o contraste citando alguns poetas russos que viveram para a poesia e por ela morreu: Puchkine e Lermontov, mortos em duelos; Blok, morto num incêndio que dissimulou suicídio; Iessienin, enforcado e Maiakóvski morto com um tiro no ouvido.
Andrei Vozniessênki escreveu o poema Lenjumeau, uma louvação a Lenin, e o último, Vassili Akssionov publicou a novela Já é Hora Amigo, Já é Hora. Acusados publicamente de partidários ideológicos do Ocidente, e Ievtuschenko desmascarado, o poeta de Zimá confessou seu arrependimento, fato que levou Kruschev a proibir os recitais e viagens temporariamente ao estrangeiro. A 20 de dezembro de 1964, se celebrou em Moscou o dia da poesia, onde são feitos anualmente os recitais de poesia, quando Ievtuschenko recitou seus poemas e de Vladimir Maiakóvski, diante de trinta mil pessoas ocasião em que foi homenageado pelo grande compositor Schostakovisch, quando este dedicou – lhe uma sinfonia sobre um dos mais conhecidos poemas Babi Iar, sendo o poeta bastante aplaudido como de costume.
Ievguêni Ievtuschenko foi o maior portador de todos os germes infecciosos do revisionismo, seus poemas anti – stalinista, são bastante agressivos em relação à obra de Solschenizn – Um dia na Vida de Ivan Denissovich, ou do pequeno livro de poemas de Akhmatova – Requiem, publicado em 1963 e Minik, pela Editora dos escritores emigrantes, sem o seu conhecimento e consentimento:

Não, não sou eu, és outro quem sofre.
Não pode ser eu.
Tudo está embrulhado até a eternidade,
E eu já não sei
Quem és homem ou animal.

Vejamos este fragmento de um dos seus poemas mais polêmicos, intitulado Os Herdeiros de Stalin, publicado em 21 de outubro de 1962 no Pravda, depois de ter percorrido várias redações para publicá-lo:

Em troca me volto ao Partido com Inquietude,
Não replicarei minha súplica:
Redobra a guarda,
Triplica – lhe diante de seu mausoléu,
Para que Stálin permaneça sempre dentro.
E com ele, o que deve pertencer ao passado.

Sem dúvida Ievtuschenko é o mais famoso poeta soviético, oportunista, conspirador e revisionista. Um poeta portador de uma forte dosagem de insegurança interior e acomodações sentimentais, mas favorecido pela sua jovem vitalidade estridente, conduta duvidosa e tática hábil, o fez nomeado como membro da União de Escritores Soviéticos e diretor da revista Yunost (Jovem Guarda), conseguindo ainda ingressar de maneira surpreendente como estudante no Instituto Gorki de Literatura, apesar de não possuir o secundário completo.
Esta figura excêntrica e polêmica até os dias atuais nos fazem refletir profundamente diante de uma extensa produção: A Macieira (1959); A Central Hidroelétrica de Bratsk (1965) e uma coletânea de poemas; O Braço de Linha (1966) e ano seguinte à narração Pear, Habour. O poeta chileno Pablo Neruda em um de seus poemas a ele dedicado descreve-o muito bem:

Ievtuschenko, és um louco,
és um clown, é o que todos dizem entre dentes.
Vem Ievtuschenko,
vamos não conversar,
já falamos tudo
antes de chegar a este mundo,
e há em tua poesia
raios de luz nova,
pétalas eletrônicas,
locomotores,
lágrimas,
e de vez em quando opa! Avante! Abaixo!
Tuas piruetas, altas acrobacias.
E por que não um palhaço?
Em 1984, Ievtuschenko publicou um simpático romance em que traça um retrato sutil da realidade contemporânea da extinta URSS, num momento em que os dogmas socialistas são questionados e o comunismo ganha força, sobretudo entre os jovens. Personagem principal o biólogo Ardabiév, acredita ter criado uma nova planta, chamada Ardabiola, capaz de curar o câncer. Preocupado em demonstrar a validade de sua descoberta, luta, no entanto com alguns problemas pessoais, que o colocam frente à burocracia de seu país e o fazem repensar sua postura diante da vida. Ardabiola é um devaneio literário sobre um povo e uma sociedade em transformação.
Ievtuschenko, um dos mais conhecidos poetas contemporâneos e o seguidor da tradição lírica de Maiakóvski. Sua poesia é um manifesto particularmente, de acordo com sua idéia em relação à responsabilidade de todos pelo destino do mundo, incomensurável valor de inter-racionalismo e introduziu audazmente em sua poesia com semelhança pouco empregada anteriormente. Ievtuschenko é o autor do roteiro do filme Sou Cuba, co-produção cubano-soviético, dirigido pelo grande fotógrafo, Mikhail Kalatozov, que mostra a opressão do povo cubano em plena revolução dos anos 60.



A Metade Não Quero de Nada – Ievguêni Ievtuschenko





A metade não quero
de nada.
Dê-me o céu todo.
Toda a terra.
Os mares e os rios, as torrentes das montanhas.
são meus. Não os divido.
Não me seduzirás a vida,
com uma parte.
Tudo por inteiro. Eu poderia com tudo.
Não quero nem parte da felicidade
nem parte da dor.
Quero sim, a metade do travesseiro
donde, emplastro a tua face
como uma pobre estrela fugaz,
brilhando no anel do teu dedo...


(transcriação: Gilfrancisco)



Nota

1. Autobiografia Precoce, Ed. Brasiliense – tradução de Yedda Boechat, 1984; Os Frutos Selvagens, Ed. Nova Fronteira, tradução de 1985; Ardabiola, Ed. Best Seller – tradução de Baby Siqueira Abrão, 1985 e participa com 25 autores da Poesia Russa Moderna, Ed. Brasiliense, tradução. Augusto e Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman, 1985.



Salvador. Correio da Bahia, com o título, Um poeta russo na Bahia, 6 de março, 1987

O MESTRE ACRÍSIO CRUZ

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com
“De Norte a Sul era um esforço gigantesco a desenvolver-se, e através de convênios diversos em todos os Estados, realizaram-se obras que constituíram uma sólida base física do sistema educacional brasileiro, além de outras tantas no sentido de formação pessoal docente capaz, relativamente, a diversos níveis de ensino.” ( Acrísio Cruz )
Acrísio Cruz, filho de Manoel Antônio da Cruz e Maria Leopoldina da Cruz, nasceu em Laranjeiras no dia 31 de outubro de 1906 e faleceu em 13 de setembro de 1969 na cidade de Aracaju. Tendo realizado os primeiros estudos em sua terra natal, estudando na escola Larajeirense, da professora Zizinha Guimarães, uma das mais afamadas do Estado, anos depois residindo em Aracaju, estudou no Colégio Tobias Barreto, dirigido pelo professor José de Alencar Cardoso, popular professor Zezinho. Aos 25 anos passou a dirigir o Grupo Escolar General Siqueira, um dos mais antigos de Aracaju, localizado à rua Itabaianinha, onde hoje está sediado a Polícia Militar, passando depois, para o Grupo Escolar Manoel Luiz, na Praça da Bandeira.
Jornalista, professor, parlamentar e escritor, atuou na vida pública em seu estado natal, com destaque para o campo educacional. Publicou estudos versados em psicologia educacional, livros didáticos, além de artigos e trabalhos acadêmicos, publicados em periódicos especializados, a exemplo das revistas: Neurobiologia, Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
O mestre Acrísio Cruz foi deputado estadual de 1951 a 1955, chefe do Departamento de Educação no governo de José Rollemberg Leite (1947-1951), quando implantou mais de 200 escolas rurais e grupos escolares, democratizando o acesso de crianças e jovens à escola. O projeto para construir Escolas Rurais na zona rural, consistia em uma única sala, multi seriada, residência da professora e pedaço de terra para o plantio de hortas e de pomar.
Comandou a então Escola Técnica, hoje Centro Federal de Educação Tecnológica de Sergipe, CEFET/SE. Como deputado Acrísio teve a oportunidade de servir, política e tecnicamente ao governo de Arnaldo Rollemberg Garcêz (1951-1955), inclusive como Secretário de Justiça, apesar de não ter conseguido se reeleger.
No centenário de nascimento de Acrísio Cruz houve várias homenagens: inauguração na Praça da Imprensa do busto de bronze, escultura do artista plástico Bené Santana; lançamento do livro Viagens de volta ao Engenho Maratá, romance inacabado, organizado por suas filhas Isabela Maria Cruz e Marta Vieira Cruz. Quando o professor Acrísio morreu, seu amigo e colega Manoel Cabral Machado (1916-2008), prestou singela homenagem com os artigos O estilista da linguagem ora I e II, publicados em 1969 e 1970, na imprensa local e republicados em 1999 no livro Brava Gente Sergipana:

"Se a morte do professor Acrísio Cruz causou, na vasta roda de seus amigos, uma pesada mágoa, trouxe-me mais uma sensação estranha do empobrecimento. Não era só o companheiro perdido e perdido inesperadamente, por mais que vagos receios teimassem por insinuar um desaparecimento próximo. Inquietava-me pelos gestos frágeis ou pela fisionomia fatigada e baça, apesar do otimismo estimulante dos seus médicos.
Vi, ainda, nessa morte, uma espécie de prejuízo público. Uma perda irreparável do patrimônio comunitário,sem que se pudesse salvar, ao menos, qualquer relíquia valiosa.
Do político, do educador e do intelectual, Sergipe esquecerá, em breve, o intelectual Acrísio Cruz. Lamentavelmente, por negligência, desinteresse ou falta de estímulo, não produzira a obra de arte que poderia escrever. Esgotou-se na dispersão de uma disponibilidade complacente aos ouvidos atentos que os escutavam ou na luta brava contra os que o agrediam, e mordiam a cruel hidrofobia provinciana. E por bastar-se de ouvintes, abandonou os leitores. E assim não compôs o romance de costumes que seria capaz de elaborar ou redigir as lembranças que deveria memoriar, notadamente as suas memórias dos outros."
Em 1. de outubro o jornalista Acrísio Cruz através de discurso, justifica uma moção de gratulação e apoio ao Presidente da República, Washington Luís, merecendo a unanime aprovação do Conselho Municipal de Aracaju, homologando as candidaturas à Presidência e vice Presidência da República, no próximo quatriênio, dos senhores Júlio Prestes e Vital Soares:

Sr. Presidente
Srs. membros deste Conselho:

Como representante do povo aracajuano nesta casa, deve dizer que a moção era submetida por mim à consideração de vós todos tem já a sua justificativa, evidenciada na admiração com que este município, acompanhado pelos demais do Estado, olha o governo altamente patriótico do dr. Washington Luís.
Na hora presente em que duas correntes políticas se manifestam na opinião nacional, duas correntes homogêneas, mas antagônicas, o povo brasileiro tem sabido com grande vigor cívico aplaudir a maneira porque se há conduzido o Presidente da República. E esse antagonismo, senhores, a que acabo de me referir, está patenteado, à vista da nação, no estendal de ameaças com que os sectários do liberalismo se recomendam à apreciação do Brasil.
Dezessete unidades da Federação Brasileira, o Distrito Federal e o grosso da imprensa nacional deliberaram, em momento tão feliz, levar aos postos de Presidente e vice-Presidente da República, respectivamente, os srs. Júlio Prestes de Albuquerque e Vital Henrique Baptista soares, no próximo pleito eleitoral de 1. de março. Essa iniciativa da família republicana foi inspirada nas realizações daqueles dois grandes homens públicos, o primeiro, dirigente dos destinos de São Paulo, e o segundo da Bahia. São dois brasileiros identificados de há muito com o nosso povo.
O talentoso deputado Humberto Olegário Duarte leader da maioria na Assembléia Legislativa do Estado, em vários artigos divulgados pela imprensa local, pois sob os olhos dos sergipanos os feitos e a educação política daqueles dois grandes cidadãos, que prometem ao Brasil uma época de prosperidade e de segurança econômica.
Não faz muito tempo, o dr. Washington Luís, na Associação Comercial do Rio de Janeiro, deu mais uma prova da elevação de seu espírito aos liberais que a todo instante ameaçam ensanguentar o sólo da Pátria.
Foram as seguintes as palavras de sua excelência: Podeis estar tranquilos senhores, porque a propaganda eleitoral decorrerá num ambiente de segurança de calma e liberdade. A rigor o momento é de júbilo nacional, porque vem mostrar que o Brasil progrediu bastante, que já é uma Nação consciente de si mesma,que confia, que tem opinião e tem vitalidade.
São as manifestações e os atos do dr. Washington Luís que o impõem ao conceito do povo brasileiro.
Ninguém desconhece mais que o Governo de sua excelência tem determinado ao Brasil um período de completa paz, um período em que resurtem empreendimentos e realizações extraordinárias, um período em que o nosso país, adolescente ainda está observando e realizando as iniciativas dos povos mais velhos, um período, enfim de respiração, sucedido aos tempos conturbados do quadriênio passado.
No mesmo discurso, aludido linhas acima, sua excelência disse mais: " a 31 de dezembro do primeiro ano do meu Governo, só permaneciam nas prisões aqueles que, sub judice, tinham sua causa pendente do veredictum da Justiça, sobre a qual, como sabeis, não pode ter ação o Poder Executivo"
Por tudo isso sente-se que se não podia absolutamente desejar um Governo melhor do que o sr, dr, Washington Luís, de quem podemos dizer, - um Governo do povo pelo povo.
A lavoura e a indústria têm sido incentivadas de modo considerável, o ensino superior rigorosamente cuidado todos os esforços convergem para a integralização da nossa estabilidade financeira, e se desenvolvem também para a certeza de um futuro grandioso, que poderá ser avaliado desde já pelas possibilidades que nos reserva esta imensidade territorial do Brasil, enquanto os seus destinos forem confiá-los à sensatez e ao verdadeiro patriotismo de seus filhos.
É chegado o memento do município de Aracaju, cuja administração está entregue à honradez e à infatigabilidade do sr. Theophilo Dantas, se preparar, afim de entrar na liça, onde a vontade popular brasileira vai eleger o cidadão que há de governar o País no quadriênio de 1930 a 1934.
Em que pensem a honradez e a operosidade do dr. Júlio Prestes, temos a observar e a levar consideração a última Mensagem do insigne estadista de S. Paulo, que é um transunto de administração ousada de empreendimentos gigantescos e de moralidade política.
O Brasil tudo espera do esforço, do talento e do tino político-administrativo do Presidente paulista. Ele assegurar a esta grande nação a continuidade do progresso, da paz e de maior moralização possível na verdadeira prática do regime.
Os fatos aduzidos nesta minha oração, e em todos os órgãos da imprensa local, ademais, a vossa admiração claramente manifesta à sua excelência sr. Presidente Washington Luís, bastarão para que eu consiga facilmente seja aprovada a moção que vos acabo de apresentar.
E esse dever nosso, no que tange à questão política do momento, é também de Sergipe, presentemente entregue às mãos honradas do preclaro Presidente Manoel Dantas, que apóia com intransigência as candidaturas nacionais.
Voltando a falar sobre a personalidade do Chefe da Nação e sobre o modo pelo qual s. ex. está se desobrigando da sua alta missão, em face da atitude liberal, devo dizer mais uma vez que o Brasil tem justas razões em render culto ao seu patriotismo.
Representantes que somos, senhores, deste município - uma célula bem desenvolvida da nossa organização administrativa, temos também a obrigação moral de apoiar entusiasticamente o Governo do Presidente Washington, que está se desenvolvendo num ambiente de liberdade civil e de liberdade política.

(Diário Oficial do Estado de Sergipe, 4 de outubro, 1929)

quinta-feira, 1 de julho de 2010

MEDICINA POPULAR: TRADIÇÃO, CIÊNCIA DO POVO

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com



Medicina popular ou rústica, relativo ao campo, ao meio rural, próprio de um país eminentemente rural com é o Brasil, e a parte da cultura do povo dedicada a utilização de drogas, substância, gestos ou palavras para se adquirir a saúde da coletividade.
Está representada principalmente no meio rural e especialmente no Nordeste Brasileiro, pelas rezadeiras, comadres, curandeiras e pessoas de boa fé com profundo conhecimento da flora medicinal brasileira. Gente simples que vive do seu trabalho sertanejo e não faz profissão do seu conhecimento de medicina popular, trabalhando somente com a intenção de fazer o bem ao próximo.
Muitos dos prejudicados da nossa medicina popular foram legados pelos indígenas, apesar dos portugueses que simbolizavam o velho continente europeu, trazerem para o Brasil uma medicina incipiente e mal acabada. Entre os índios devemos assinalar que o conhecimento dos remédios, em muitos casos só é transmitido pelo pajé (médico curandeiro), mais velho aos seus discípulos mais novos. Quando trata um doente, esse fica ao seu exclusivo arbítrio e através de palavras mágicas ou símbolos dominam-no, prova-o de todo o trato com pessoas de suas relações costumeiras e o coloca somente sob a influência de suas misteriosas força mágica, incompreensível até para ele.
Magia – A crença do Mago, no curandeiro não se torna para muitos desprezados, ainda oferece condições aceitáveis mesmo atualmente com o elevado estudo de adiantamento da Medicina científica. A magia continua a empregar as cores não só num sentido curativo, como no de preparar o espírito para determinadas atitudes, e a Medicina científica recebe muitas vezes o impacto desse mundo mágico, dessa intimidade com os agentes da natureza e da experiência acumulada que tem raízes bem profundas e remontar à vivência tribal dos nossos indígenas.
Essa Medicina empírica nem sempre pode ser condenada, como puramente abjeta e mágica, mas a própria experiência técnica da Medicina moderna vem demonstrar hoje, ser os venenos de cobras, aranhas e abelhas grandes poder analgésico. Portanto para a medicina popular, o fenômeno cura não está ligado a um processo do conhecimento da doença (diagnóstico), mas à força mágica e aos poderes especiais do curador. Por isso é necessário neutralizar primeiro as causas estranhas, para depois tentar a sua cura.
Em todo o Brasil é comum o homem do povo, buscar para suas doenças e mazelas a cura nos benzimentos, rezas, chazinhos, mezinhas, garrafadas, ou seja, a Medicina Popular é o conjunto de técnicas, de fórmulas, de remédios, de práticas e de gestos, usada para o restabelecimento da saúde ou prevenção de doenças.
Plantas – É na flora e na fauna que o homem do campo vai encontrar para suas práticas mágicas (terapêutica), plantas medicinais cuja transmissão se vem dando através de gerações, e nesta vastidão territorial, às vezes uma determinada erva tem as mais variadas funções. Neste ofício de curar, herdamos do índio o domínio material da farmacologia, que possuía numerosas experiências, em grande parte restos de uma antiga ciência natural ou tradições de uma época há muito esquecido.
É no reino vegetal onde esses medicamentos são colhidos frescos, das árvores ou dos arbustos para serem empregados internamente em infusão e cozido ou externamente em cataplasma e lavagens, que em muitos casos são mais eficazes do que as composições químicas da medicina científica: Sangria serve par doença do fígado, rins e limpeza do sangue, faz-se chá com a raiz e toma-se; Perdiz serve para doença do sangue, faz-se chá da raiz e toma-se; Casca de sucupira serve para reumatismo, sífilis e intestino, faz-se chá das cascas ou põe-se dentre da pinga, deixa-se curtir; Juá de Boi serve para o intestino, chupa-se a fruta ou faz-se refresco e toma-se; Gravatá serve para inchação, faz-se o chá da raiz e toma-se ou o cozido para banho; Marambira serve para ressecamento intestinal, faz-se o chá da raiz e toma-se; Maria Fecha a Porta serve para vômito, faz-se o chá da folha e raiz e toma-se; mentrasto serve para mordida de bichos venenosos, espreme-se sumo e bebe-se; Articum do Mato serve para vermes. Faz-se o chá das folhas; Azedinha serve para dor de barriga, faz-se o chá das folhas e raiz e toma-se; Capim Santo serve como calmante, faz-se o chá da folha e toma-se à vontade; Salsa do Mato serve para inchaço, faz-se o chá ou cozido da raiz para tomar e banhar-se; Tabua serve para fraqueza e anemia, faz-se o chá ou cozido da raiz para tomar e banhar-se.
Crendice e Superstições – termo derivado do latim (Supera Estitio), que significa fanatismo, receio vão, escrúpulo culto falso e religião falsa, varia de pessoa, lugar e região. Algumas ficam morando em uma única pessoa (seu criador), mas a maioria se difunde entre as massas, entre os povos por isso encontramos subdivididas em: ingênua, pessoal, de grupo, regional e geral.
É um sentimento esdrúxulo, eivado de ridículos receios criado pelo temor crendeiro de pessoas impressionáveis. Os termos “crendice e superstição” são empregados para definirem o sentimento que se encaminha para crenças estranhas, significando entre o povo a mesma coisa. O crendeiro sublima a religião que professa com desusada fé nos santos, nas rezas e promessas que fazem tudo em vacilação de convicção, enquanto que na superstição observa-se a ausência de uma paixão religiosa estranha e doentia. Onde o supersticioso apega-se em tolices, em coisas fúteis no desejo de evitar possíveis males e de atrair felicidade, temendo os abusos que ele mesmo cria.
Passar debaixo de cancela: abre o corpo; Mulher grávida passar debaixo de cabresto: atrapalha a gravidez; Olhar no seio da mulher grávida: nasce filho com a boca aleijada; Passar por baixo do arco-íris: muda de sexo; Comer com a mão: faz engordar; Chupar três jabuticabas: fica entupido; Criança com quebranto: passa entre as pernas do pai três vezes de manhã; A mulher estando grávida, se o marido tiver dor de dente: filho nasce homem; Para curar caxumba: ficar três vezes de cabeça pra baixo numa porteira; Se engasgar com espinho: por um tição no fogo do lado contrário; Saltar chave (desvio de trem): dá azar e abre o corpo; Pra curar dor de dente e dor de cabeça: o som da viola de repentista: Contra veneno de cobra coral: comer o coração da cobra coral no instante que ela morder.
A primeira impressão que se tem ao ouvir esta palavra “magia” é a de sortilégio, de feitiçaria, mas nem sempre ela está ligada ao demonismo. Está presente em diversas atividades da vida é bem vasta, sendo encontrada desde o encantamento amoroso até o encantamento científico e o maléfico. Entretanto a chamada Medicina Mágica é especialmente aquela destinada a proteger as pessoas das doenças ou estabelecer preceitos e fórmulas mágicas, para cura de males. Difere essencialmente da Medicina Religiosa, exercida pelas rezadeiras e curandeiras com a mesma finalidade de proteção e cura. Para a cura e prevenção das doenças, muito utilizadas pelas rezadeiras e comadres até hoje em quase todo o interior, invoca sempre um santo para alcançar sem objetivo, por isso é necessário ter fé porque sem ela não há milagre nem salvação.
Mágica Fórmula de Reza – Outra fórmula da Medicina Mágica é a reza que trataremos adiante, que diferencia das orações porque nem sempre estão ligadas ao pensamento da igreja católica. Eis a oração do Padre Cícero: Jesus Cristo é quem me guia me recomenda o Deus e a Virgem Maria, nossa mãe e os 12 apóstolos meus irmãos, andarei dias e noites protegido e amparado pelo Padre Cícero Romão, N. S. das Dores, N. S. de Fátima e a Virgem da Conceição, guiarão os meus passos. Terei a proteção dos anjos S. Miguel, S. Rafael e S. Gabriel. Serei envolvido no Manto da Virgem Santíssima. Serei bento no altar de N. S. do Bonfim, entre o cálix bento e a hóstia consagrada. Serei banhado no sangue de N. S. Jesus Cristo. Jesus Maria e José e o Divino Espírito Santo defenderão a minha alma. Andarei sempre amparado e circulado com as armas de S. Jorge, não serei preso nem ferido pelos meus inimigos, nem meu sangue será derramado, andarei livre de todos os inimigos visíveis e invisíveis, carnais e espirituais, como o meu Jesus Cristo andou nove meses no ventre da Virgem Maria. Amém.
As rezas de um modo geral são compostas por uma combinação de palavras que vêm sofrendo através dos tempos alterações, sem, contudo sofrer modificações na idéia principal. A Medicina Popular usa a religião como força mágica da cura e algumas orações que são utilizadas visam a proteger as pessoas e outras a cura das doenças. As rezas de São Bento protegem contra mordeduras de cobras, insetos venenosos e cães hidrófobos.
As de São Sebastião evitam a peste, a fome e as guerras e as de São Lourenço são simpatias contra os perigos do fogo, ferro e armas. Benzeção para espinhela caída: Barquinho de Santa Maria/ Ta no mundo sem par/Levantando a sua espinhela/As suas arcas/Põe tudo em seu lugar/Sua espinhela/Suas ancas/A seus ventos. Benzeção para erisipela: Fale Pedro/Aonde vem? Vem de Roma sinhô/O que, qui trouxeste? – Fale Pedro! Volta pra trás/Vem me trazer saúde pelo amor de Deus/E as cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Benzeção para estancar sangue: Explode Virgem Maria/Eu vejo sangue na veia de fulano/E ting, ting, ting/Assim como Jesus Cristo ficou na ceia/Assim será estancado o sangue na veia de fulano.
Escatologia – Usada a mais de 2.500 anos antes de Cristo, os assírios e babilônios já praticavam a escatologia como método de cura. Que é na realidade a utilização como método terapêutico de substância ou ações repugnantes (anti-higiênicas), que quando usada, produz desgostos aos demônios que se encontram alojados no corpo do enfermo. Mas no Nordeste brasileiro este método da Medicina arcaica, ainda é utilizada e conservada na tradição oral da nossa cultura popular, apresentando as formulas mais exótica: Estrume fresco de cavalo cura qualquer ferida rasa; Chá de lagartixa cura sarampo; estrume de coelho cura tersol; Chá de flor de toco (fezes de cachorro embranquecido pelo sol), cura sarampo. Teia de aranha ajuda a cicatrizar umbigo de recém-nascido; Urina de vaca recém-emitida em ablução dos olhos, cura doença da vista com tracoma ou conjuntivite catarral; Esterco fresco de galinha, friccionado na pele cura-se acne; Cópula com animais especialmente jumentas, cura blenorragia; Urina de vaca adicionada ao leite é tratamento de coqueluche; Piolho vivo enrolado em algodão e colocado no local dolorido, cura dor de dente; Untando-se o pênis com mistura de barata pisada e azeite doce após fervura, cura retenção de urina, como chá de grilo bebendo-se a infusão.

Aracaju. Jornal da Cidade, 24. jun.2008. (www.jornaldacidade.net)

CACHAÇA, MEL DOS BRASILEIROS

Ao amigo Cleomar Brandi

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luis de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

Barata, popular e democrática a cachaça aliviou a dor nas senzalas, serviu a libação nos cultos religiosos, animou festas profanas. Durante anos foi perseguida e proibida. Tributada, contrabandeada, desfez preconceitos. Passou a ser apreciada, hoje, é produzida em todo o País.

*****
Segundo Luis da Câmara Cascudo o mais antigo registro do verbete “cachaça” que se conhece veio de Portugal onde era conhecida nas quintas fidalgas do Minho. O poeta Sá de Miranda (1481-1558) refere-se na sua carta a Antonio Pereira, senhor de Basto:

Ali não mordia a graça,
Eram iguais os juizes,
Não vinha nada da praça.
Ali, da vossa cachaça!
Ali, das vossas perdizes!

Já o professor Renato Mendonça (1912) em “A Influência Africana no Português do Brasil” (1933), livro clássico, obra a que se tem de recorrer necessariamente sempre que se aborde esse tema, afirma ser de origem africana. Registra ainda Cascudo que a denominação não se tornou comum em Portugal nem na Espanha, onde era feita das borras. Seria a primeira bebida destilada no Brasil do século XVI porque em 1610 o viajante francês Pyrard de Laval, na Bahia, informava: “Faz-se vinho com o suco da cana, que é barato, mas só para os escravos e filhos da terra”. Guilherme Piso e Jorge Maregrave, vivendo em Pernambuco (1638-1644), mencionam a cachaça como a espuma esfriada do caldo de cana, depois da primeira fervura na fabricação do açúcar. Era mais garapa e o teor alcoólico nenhum. O padre André João Antonil em seu livro “Cultura e Opulência do Brasil” (1711) escreve: “O caldo bota fora à primeira escuma, a que chamão cachaça”.
Origem – A indústria da cana-de-açúcar no Brasil, nos primeiros anos da colonização, tinha como objetivo a produção do açúcar, artigo muito procurado no mercado consumidor europeu. Por isso a cana-de-açúcar não é e nunca foi uma atividade exclusivamente agrícola, mas agroindustrial, uma vez que a cana tem de ser transformada em açúcar nos engenhos, também chamadas “fabricas de açúcar”.
Cachaça, cana, caminha, pinga, branquinha, parati, mata-bicho, engasga-gato, leite-de-onça, marvada, mé, limpa, fubuia... A aguardente de cana tem muitos nomes no Brasil. Se hoje a cachaça é muito popular, houve um tempo em que ela era praticamente desconhecida tanto dos portugueses quanto dos negros e dos indígenas. Sua descoberta se deve ao acaso. A bebida nasceu como subproduto dos engenhos, das impurezas retiradas durante o processo de fervura do caldo da cana, na produção do açúcar. Ao lado do tacho fervente havia outro de água fria, que servia para limpar os resíduos da escumadeira, uma espécie de colher.
Essa água com impurezas era chamada de cachaça, que, fermentada naturalmente, começou a ser consumida e apreciada pelos escravos. Só mais tarde a cachaça passou a ser destilada, recebendo então o nome de pinga, por que no processo de destilação o alambique fica pingando.
Antigamente, se usavam alambiques com destilações sucessivas, mas hoje se usam destiladores industriais que proporcionam a obtenção imediata da bebida. Do mesmo modo, antigamente, a cachaça era toda produzida em alambiques nos engenhos ou por pequenos plantadores como “subproduto” da plantação, praticando ainda a mistura de cachaças de diferentes origens. Tudo indica que já havia produção de cachaça no Brasil nos fins do século XVI, destinada aos escravos e às camadas mais pobre dos homens livres.
Até o fim do século XVIII, a Coroa portuguesa tentou, sem êxito, coibir a produção de cachaça no Brasil. Em principio, a cachaça, por ter inicialmente gosto muito alcoólico, só deveria ser comercializada após envelhecer pelo menos um ano em tonéis de madeira.
Brasil Nação – Desde sua descoberta, a cachaça ou pinga teve vida dupla: produzida no engenho, servia para o consumo dos escravos – como mata-bicho, desjejum, remédio ou estimulante – e também como moeda, junto com rolos de fumo, na comprar de escravos na África.
Apesar de sua importância comercial, recebia o mesmo tratamento dos filhos bastados nas casas-grandes: não freqüentava a mesa do senhor, que, por gosto ou hábito, preferia o vinho ou a bagaceira (aguardente feito a partir do bagaço da uva), bebidas típicas portuguesas.
À época do Brasil independente, após 1822, a cachaça passou a ser apreciada como bebida símbolo da nova nação. Hoje é largamente consumida, pura ou em batidas e licores. Pingado dos alambiques de engenhocas (pequenos engenhos) em todos os cantos do Brasil, a cachaça ganhou status de bebida nacional e hoje é industrializada, produzida por grandes empresas.
Pioneirismo – Outro grande estudioso, pioneiro sobre o assunto foi o sergipano José Calasan Brandão da Silva (1915-2001), autor do livro “Cachaça, Moça Branca” (1951) que publicou em 1943 no nº1 da Revista de Aracaju o artigo “Aspectos Folclórico da Cachaça”, onde procurou focalizar aspectos da cachaça na poesia popular de Sergipe, material coligido por ele. A cachaça tem exercido uma extraordinária influência no folclore brasileiro, mas ainda pouco estuda pelos folcloristas nacionais. Todos bebem. Ricos e pobre; brancos e negros, mas todos têm uma desculpa na ponta da língua para justificar uma bebedeira. Há quem diga que a branquinha serve para esfriar nos dias de calor, e para esquentar nos dias de frios; serve para inspirar os poetas, melhorar a voz dos cantadores:

Cachaça, fria da cana
Neta do canaviá
Quem bebe muita cachaça
Canta que nem sabiá.

***
Quando eu enjeitá cachaça
Macaco engeita banana
Vigaro perde a sumana.

Não tínhamos sobre o folclore da cachaça senão uns poucos artigos de jornais. O livro do professor Calasans preenche essa falta (há mais de cinqüenta anos), além de ser um estudo sobre a cachaça, contém algumas adivinhas, uma lista bastante longa de ditos e ditados da cachaça, por fim, um vocabulário extremamente rico.

Simpatias e Receitas – Para deixar de beber: Misture à cachaça raspa de unha da mão esquerda. A pessoa deve beber pela manhã, em jejum, mas nunca poderá saber.
Para curar embriaguez: Ponha o bicho-da-cana na água; despeje um poço no cálice de cachaça, sem a pessoa saber. Para ressaca: chá de boldo de quintal.

Cachaça:santo remédio

com laranja é diurético
com café corta gripe
com açúcar queimado, resfriado
com sal, excelente gargarejo para amigdalite
com pólvora, bom para dor de dente
com arruda, para o estômago
com chuchu, para reumatismo
com fumo, para bicho-de-pé
com teia de aranha, para ferida
com sassafrás, para dor de barriga
com ameixa, purgativo
com folhas de eucalipto, suador
com guiné, fecha o corpo
com catuaba, faz velho ficar moço a ponto de procurar mulher

Oração do Cachaceiro

Santa cana que está na roça,
aguardente sem mistura,
venha a nós o vosso líquido
para ser bebido à nossa
vontade, assim no boteco
ou em qualquer lugar.
O garrafão nosso de cada dia
nos daí hoje, perdoai as vezes
em que bebemos menos,
assim como perdoamos o
mal que ela nos faz, não nos
deixes cair atordoados,
livrai-nos da radiopatrulha,
amém.

A Cachaça na MPB

Você pensa que cachaça é água
Cachaça não é água não
Cachaça vem do alambique
E água vem do rio Jordão.

***

Com a marvada pinga
É que eu me atrapaio
Eu entro na venda e já dou meo taio
Pego no copo e dali num saio (Ochelsis Laureano)
Ali mesmo eu bebo
Ali mesmo eu caio
Só pra carregar é que eu dô trabaio
Oi lá

***
Eu bebo sim e vou vivendo
Tem gente que não bebe e tá morrendo
Eu bebo sim

***

O malandro
Na dureza
Senta à mesa
Do café
Bebe um gole (Chico Buarque de Holanda)
De cachaça
Acha graça
E dá no pé.

Referências Bibliográficas


CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 5ª ed. 1984.

LIMA, Clóvis. O Alambique. Rio de Janeiro: José Olympio Editor, 1933.

MAIOR, Mário Souto. Dicionário Folclórico da Cachaça. Recife: Ed. Massangana, 2ª ed., 1980.

SILVA, José Calasans Brandão da. Cachaça, Moça Branca. Salvador, Museu da Bahia, nº13, 1951.