quinta-feira, 1 de julho de 2010

MEDICINA POPULAR: TRADIÇÃO, CIÊNCIA DO POVO

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com



Medicina popular ou rústica, relativo ao campo, ao meio rural, próprio de um país eminentemente rural com é o Brasil, e a parte da cultura do povo dedicada a utilização de drogas, substância, gestos ou palavras para se adquirir a saúde da coletividade.
Está representada principalmente no meio rural e especialmente no Nordeste Brasileiro, pelas rezadeiras, comadres, curandeiras e pessoas de boa fé com profundo conhecimento da flora medicinal brasileira. Gente simples que vive do seu trabalho sertanejo e não faz profissão do seu conhecimento de medicina popular, trabalhando somente com a intenção de fazer o bem ao próximo.
Muitos dos prejudicados da nossa medicina popular foram legados pelos indígenas, apesar dos portugueses que simbolizavam o velho continente europeu, trazerem para o Brasil uma medicina incipiente e mal acabada. Entre os índios devemos assinalar que o conhecimento dos remédios, em muitos casos só é transmitido pelo pajé (médico curandeiro), mais velho aos seus discípulos mais novos. Quando trata um doente, esse fica ao seu exclusivo arbítrio e através de palavras mágicas ou símbolos dominam-no, prova-o de todo o trato com pessoas de suas relações costumeiras e o coloca somente sob a influência de suas misteriosas força mágica, incompreensível até para ele.
Magia – A crença do Mago, no curandeiro não se torna para muitos desprezados, ainda oferece condições aceitáveis mesmo atualmente com o elevado estudo de adiantamento da Medicina científica. A magia continua a empregar as cores não só num sentido curativo, como no de preparar o espírito para determinadas atitudes, e a Medicina científica recebe muitas vezes o impacto desse mundo mágico, dessa intimidade com os agentes da natureza e da experiência acumulada que tem raízes bem profundas e remontar à vivência tribal dos nossos indígenas.
Essa Medicina empírica nem sempre pode ser condenada, como puramente abjeta e mágica, mas a própria experiência técnica da Medicina moderna vem demonstrar hoje, ser os venenos de cobras, aranhas e abelhas grandes poder analgésico. Portanto para a medicina popular, o fenômeno cura não está ligado a um processo do conhecimento da doença (diagnóstico), mas à força mágica e aos poderes especiais do curador. Por isso é necessário neutralizar primeiro as causas estranhas, para depois tentar a sua cura.
Em todo o Brasil é comum o homem do povo, buscar para suas doenças e mazelas a cura nos benzimentos, rezas, chazinhos, mezinhas, garrafadas, ou seja, a Medicina Popular é o conjunto de técnicas, de fórmulas, de remédios, de práticas e de gestos, usada para o restabelecimento da saúde ou prevenção de doenças.
Plantas – É na flora e na fauna que o homem do campo vai encontrar para suas práticas mágicas (terapêutica), plantas medicinais cuja transmissão se vem dando através de gerações, e nesta vastidão territorial, às vezes uma determinada erva tem as mais variadas funções. Neste ofício de curar, herdamos do índio o domínio material da farmacologia, que possuía numerosas experiências, em grande parte restos de uma antiga ciência natural ou tradições de uma época há muito esquecido.
É no reino vegetal onde esses medicamentos são colhidos frescos, das árvores ou dos arbustos para serem empregados internamente em infusão e cozido ou externamente em cataplasma e lavagens, que em muitos casos são mais eficazes do que as composições químicas da medicina científica: Sangria serve par doença do fígado, rins e limpeza do sangue, faz-se chá com a raiz e toma-se; Perdiz serve para doença do sangue, faz-se chá da raiz e toma-se; Casca de sucupira serve para reumatismo, sífilis e intestino, faz-se chá das cascas ou põe-se dentre da pinga, deixa-se curtir; Juá de Boi serve para o intestino, chupa-se a fruta ou faz-se refresco e toma-se; Gravatá serve para inchação, faz-se o chá da raiz e toma-se ou o cozido para banho; Marambira serve para ressecamento intestinal, faz-se o chá da raiz e toma-se; Maria Fecha a Porta serve para vômito, faz-se o chá da folha e raiz e toma-se; mentrasto serve para mordida de bichos venenosos, espreme-se sumo e bebe-se; Articum do Mato serve para vermes. Faz-se o chá das folhas; Azedinha serve para dor de barriga, faz-se o chá das folhas e raiz e toma-se; Capim Santo serve como calmante, faz-se o chá da folha e toma-se à vontade; Salsa do Mato serve para inchaço, faz-se o chá ou cozido da raiz para tomar e banhar-se; Tabua serve para fraqueza e anemia, faz-se o chá ou cozido da raiz para tomar e banhar-se.
Crendice e Superstições – termo derivado do latim (Supera Estitio), que significa fanatismo, receio vão, escrúpulo culto falso e religião falsa, varia de pessoa, lugar e região. Algumas ficam morando em uma única pessoa (seu criador), mas a maioria se difunde entre as massas, entre os povos por isso encontramos subdivididas em: ingênua, pessoal, de grupo, regional e geral.
É um sentimento esdrúxulo, eivado de ridículos receios criado pelo temor crendeiro de pessoas impressionáveis. Os termos “crendice e superstição” são empregados para definirem o sentimento que se encaminha para crenças estranhas, significando entre o povo a mesma coisa. O crendeiro sublima a religião que professa com desusada fé nos santos, nas rezas e promessas que fazem tudo em vacilação de convicção, enquanto que na superstição observa-se a ausência de uma paixão religiosa estranha e doentia. Onde o supersticioso apega-se em tolices, em coisas fúteis no desejo de evitar possíveis males e de atrair felicidade, temendo os abusos que ele mesmo cria.
Passar debaixo de cancela: abre o corpo; Mulher grávida passar debaixo de cabresto: atrapalha a gravidez; Olhar no seio da mulher grávida: nasce filho com a boca aleijada; Passar por baixo do arco-íris: muda de sexo; Comer com a mão: faz engordar; Chupar três jabuticabas: fica entupido; Criança com quebranto: passa entre as pernas do pai três vezes de manhã; A mulher estando grávida, se o marido tiver dor de dente: filho nasce homem; Para curar caxumba: ficar três vezes de cabeça pra baixo numa porteira; Se engasgar com espinho: por um tição no fogo do lado contrário; Saltar chave (desvio de trem): dá azar e abre o corpo; Pra curar dor de dente e dor de cabeça: o som da viola de repentista: Contra veneno de cobra coral: comer o coração da cobra coral no instante que ela morder.
A primeira impressão que se tem ao ouvir esta palavra “magia” é a de sortilégio, de feitiçaria, mas nem sempre ela está ligada ao demonismo. Está presente em diversas atividades da vida é bem vasta, sendo encontrada desde o encantamento amoroso até o encantamento científico e o maléfico. Entretanto a chamada Medicina Mágica é especialmente aquela destinada a proteger as pessoas das doenças ou estabelecer preceitos e fórmulas mágicas, para cura de males. Difere essencialmente da Medicina Religiosa, exercida pelas rezadeiras e curandeiras com a mesma finalidade de proteção e cura. Para a cura e prevenção das doenças, muito utilizadas pelas rezadeiras e comadres até hoje em quase todo o interior, invoca sempre um santo para alcançar sem objetivo, por isso é necessário ter fé porque sem ela não há milagre nem salvação.
Mágica Fórmula de Reza – Outra fórmula da Medicina Mágica é a reza que trataremos adiante, que diferencia das orações porque nem sempre estão ligadas ao pensamento da igreja católica. Eis a oração do Padre Cícero: Jesus Cristo é quem me guia me recomenda o Deus e a Virgem Maria, nossa mãe e os 12 apóstolos meus irmãos, andarei dias e noites protegido e amparado pelo Padre Cícero Romão, N. S. das Dores, N. S. de Fátima e a Virgem da Conceição, guiarão os meus passos. Terei a proteção dos anjos S. Miguel, S. Rafael e S. Gabriel. Serei envolvido no Manto da Virgem Santíssima. Serei bento no altar de N. S. do Bonfim, entre o cálix bento e a hóstia consagrada. Serei banhado no sangue de N. S. Jesus Cristo. Jesus Maria e José e o Divino Espírito Santo defenderão a minha alma. Andarei sempre amparado e circulado com as armas de S. Jorge, não serei preso nem ferido pelos meus inimigos, nem meu sangue será derramado, andarei livre de todos os inimigos visíveis e invisíveis, carnais e espirituais, como o meu Jesus Cristo andou nove meses no ventre da Virgem Maria. Amém.
As rezas de um modo geral são compostas por uma combinação de palavras que vêm sofrendo através dos tempos alterações, sem, contudo sofrer modificações na idéia principal. A Medicina Popular usa a religião como força mágica da cura e algumas orações que são utilizadas visam a proteger as pessoas e outras a cura das doenças. As rezas de São Bento protegem contra mordeduras de cobras, insetos venenosos e cães hidrófobos.
As de São Sebastião evitam a peste, a fome e as guerras e as de São Lourenço são simpatias contra os perigos do fogo, ferro e armas. Benzeção para espinhela caída: Barquinho de Santa Maria/ Ta no mundo sem par/Levantando a sua espinhela/As suas arcas/Põe tudo em seu lugar/Sua espinhela/Suas ancas/A seus ventos. Benzeção para erisipela: Fale Pedro/Aonde vem? Vem de Roma sinhô/O que, qui trouxeste? – Fale Pedro! Volta pra trás/Vem me trazer saúde pelo amor de Deus/E as cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Benzeção para estancar sangue: Explode Virgem Maria/Eu vejo sangue na veia de fulano/E ting, ting, ting/Assim como Jesus Cristo ficou na ceia/Assim será estancado o sangue na veia de fulano.
Escatologia – Usada a mais de 2.500 anos antes de Cristo, os assírios e babilônios já praticavam a escatologia como método de cura. Que é na realidade a utilização como método terapêutico de substância ou ações repugnantes (anti-higiênicas), que quando usada, produz desgostos aos demônios que se encontram alojados no corpo do enfermo. Mas no Nordeste brasileiro este método da Medicina arcaica, ainda é utilizada e conservada na tradição oral da nossa cultura popular, apresentando as formulas mais exótica: Estrume fresco de cavalo cura qualquer ferida rasa; Chá de lagartixa cura sarampo; estrume de coelho cura tersol; Chá de flor de toco (fezes de cachorro embranquecido pelo sol), cura sarampo. Teia de aranha ajuda a cicatrizar umbigo de recém-nascido; Urina de vaca recém-emitida em ablução dos olhos, cura doença da vista com tracoma ou conjuntivite catarral; Esterco fresco de galinha, friccionado na pele cura-se acne; Cópula com animais especialmente jumentas, cura blenorragia; Urina de vaca adicionada ao leite é tratamento de coqueluche; Piolho vivo enrolado em algodão e colocado no local dolorido, cura dor de dente; Untando-se o pênis com mistura de barata pisada e azeite doce após fervura, cura retenção de urina, como chá de grilo bebendo-se a infusão.

Aracaju. Jornal da Cidade, 24. jun.2008. (www.jornaldacidade.net)

Um comentário:

Poesia na alma disse...

PERFEITA MATÉRIA!
ADOREI... FALA BEM DO DRAMA QUE EU VIVO RECENTIMENTE...
TOMO MUITOS REMÉDIOS FARMACEUTICOS E TENHO TENTADO MUDAR O TRATAMENTO... O QUE ESBARRA NA FALTA DE CONHECIMENTO DOS MÉDICOS AOS QUAIS ME REPORTO!